Imprima um bife e mate o Centrão
Alceu A. Sperança
Quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou um acordo entre os poderes da República para combater a pandemia, na manhã de 23 de março, parecia mudar radicalmente de ideia quanto a itens elementares do kit antipandemia, como a vacina e a máscara, que antes julgava desnecessárias.
Dois dias depois, ao cabo de arrastadas negociações entre Congresso e governo, foi aprovado o orçamento para 2021, um monstrengo contábil em completo desacordo com tudo que o governo sempre defendeu desde a posse do superministro Paulo Guedes.
É óbvio que o governo, forçado pelas circunstâncias, reorientou suas posições ao celebrar um entendimento anti-impeachment com o antes odiado Centrão, aquele que o general Augusto Heleno desancava com o canto de "se gritar pega Centrão...”
O Big Center até pareceu esmagado no pleito de 2018 pelos 58 milhões de eleitores que votaram em Jair Bolsonaro a cavaleiro de sua bandeira antissistema.
Mera ilusão: a capilaridade de quinze partidos, siglas de milhares de prefeitos e vereadores, garantiu ao Centrão dar a volta por cima na mesma eleição, elegendo mais de 200 parlamentares.
Mágicos e mestres
Aquele que se supunha atropelado nas urnas saiu delas ainda mais forte. Ficou com no mínimo essas duas centenas de parlamentares famintos por verbas, dentre os quais pelo menos 30 magos felpudíssimos, mestres na arte da negociação.
Não há demérito para Bolsonaro, nesse caso. Muitos antes dele tentaram vencer o Big Center, que sempre dá a volta por cima e continua no poder.
As provas de sua resiliência se perdem nos tempos. Dizem que o Centrão começou na Constituinte, em 1987, mas os renovadores da antiga Arena já trocavam figurinhas com os moderados do MDB durante a ditadura.
Afinal, é possível vencer o Centrão?
Como os mosquitos da dengue e outras doenças não serão vencidos mantendo seres humanos em condições miseráveis e servindo só para votar, como já foi dito, é ilusão achar que os vírus, o Centrão e outros males serão derrotados sem mudar a sociedade vitimada por eles.
Bala, Bíblia e Boi
As desigualdades produzem incubadores de doenças e o sistema eleitoral privilegia os malandros que manipulam as regras do jogo.
Vencer o Centrão talvez só seja possível armando todo mundo, convertendo todos a alguma religião ou produzindo carne em laboratório, porque isso daria fim às bancadas da Bala, da Bíblia e do Boi, três das cabeças da hidra Centrão.
Quando todo mundo estiver armado, todas as almas salvas pela imensidão de igrejas, seitas e credos existentes e não houver mais criação de bois, as respectivas bancadas vão desaparecer por falta de pautas e bandeiras. E, só aí, tchau, Centrão.
Armas, que as tenha quem se adequar à legislação. Crenças, que as divulguem os crentes e creia quem quiser. O problema está em condenar os criadores de gado (e outros animais de corte) à extinção.
Há vários anos já se discute na Alemanha, sobretudo pelos partidos Social Democrata e Verde, forte aumento de impostos sobre a carne sob a justificativa de proteger o clima e amar os animais.
Só não passou porque os demais partidos se renderam aos berros dos donos dos bois.
Sem pasto, mesmo sabor
Como o Brasil certamente será outro sem o Centrão, o mundo também não será mais o mesmo quando a carne vier mais da impressora 3D que do pasto.
O hambúrguer sem carne já é uma realidade no Brasil desde os primeiros estudos da Embrapa, em 2007. O Novo Burguer, à base de caju, tem o mesmo gosto do velho sanduba de sempre sem ser feito com carne animal.
Desde o fim do ano passado o governo brasileiro está se batendo para regular o consumo das carnes vegetais, mas a coisa começou a andar.
Nos EUA, a toada é a mesma. Mudar métodos e hábitos para interromper a piora do clima, começando por parar o desmatamento e evitar danos aos biomas.
Há um batalhão de veganos que tentam com escasso sucesso botar dores nas consciências dos carnívoros, facilmente anestesiadas pela satisfação animalesca de devorar um suculento bife.
Tecnologia apetitosa
No início de 2020, o Wall Street Journal noticiou que diversas startups captavam recursos para desenvolver meios de suprir a demanda mundial por carne sem tirar o bife da mesa nem recorrer a substitutos vegetais.
A saída achada foi uma carne criada em laboratório a partir de células-tronco, segundo a Associação de Agricultura Celular (ACS) com produção em larga escala prevista a partir de 2025.
Singapura, o primeiro país a permitir o comércio de carne animal que não vem do abate de animais, concedeu em novembro à startup norte-americana Eat Just Inc aprovação para vender cubinhos de frango com células cultivadas da ave.
Até quem não se surpreende com mais nada sente um sobressalto ao saber que com a ciência do Instituto de Tecnologia Israel (Technion) a empresa Aleph Farms fez o primeiro bife de lombo sem abate do mundo.
Trata-se de imprimir em 3D células vivas incubadas para crescer, diferenciar-se e interagir para adquirir a textura e as qualidades do mesmo bife de lombo que você compraria no açougue.
O voto impresso lembra as eleições corrompidas do passado e tem muita oposição, mas o bife impresso entrou na ordem do dia.
Alceu A. Sperança é jornalista e escritor - alceusperanca@ig.com.br