Shalom
J. J. Duran
Ao criar o homem, Deus legou-lhe a responsabilidade de viver em paz. Por maior que seja o sacrifício necessário para alcançá-la, a paz deve ser construída para que o homem seja digno de Deus. E para se chegar a bom termo nessa luta são indispensáveis as instituições da República, que tanto podem a ela servir quanto se corromper na mais desalmada violência material e moral.
Paz quer dizer ordem, mas ordem da razão e não aquela que, defendida por uma teoria zoológica, se baseia nos instintos de convivência selvagem. Para conter esses instintos primitivistas que muitas sociedades guardam como legado recebido da madrugada da civilização, temos que valorizar a política e os políticos dentro dos rituais morais.
A reabilitação da política e dos políticos neste momento de tantas decepções, de tanto ceticismo com relação às instituições mães da Pátria, é tarefa urgente e prioritária. A política e os políticos devem servir à liberdade porque sem ela não pode haver paz, porque paz sem liberdade é sinônimo da solidão das prisões e do esquecimento.
Ao dotar o homem da razão, Deus também o dotou da liberdade, mas daquela liberdade que só a razão pode conceber, e quando essa razão é privada do sentimento de fraternidade, serve ao despotismo, ao surgimento de pretensos iluminados com traços ocultos de tirania.
Neste momento em que as máscaras encobrem muitas vergonhas humanas, temos que desconfiar dos axiomas filosóficos e dos retornos mentais a um passado de cujas verdades absolutas e leis incontestadas tantas feridas deixaram na alma da sociedade.
Os dogmas políticos que não permitem a renovação mental dos seus adeptos são significados unicamente da perversão semeada escandalosamente pelos apóstolos da necrofilia virótica.
Tenho por costume lembrar de uma passagem de minha triste estada na Europa milenar nos tempos do exílio, na qual, ao chegar em um monastério espanhol recebi fraternal e cristã acolhida dos monges que me fizeram ver seu escudo doutrinário que diz “Memento Mori". Naquele instante compreendi que em cada momento da solidão imposta pela divergência com novos pretores romanos na minha Argentina, a liberdade se erguia ao meu lado para mostrar seu rosto ensanguentado.
Nessa esquina do mundo entendi por que os violentos carregam em seu vocabulário a palavra fuzil e dela fazem uso cotidiano. É que antes de matar os dissidentes, esses aprendizes de ditadores matam o pouco que lhes resta de dignidade. (Imagem: Pixabay)
J. J. Duran é jornalista, membro da Academia Cascavelense de Letras e Cidadão Honorário do Paraná