Bicentenário da Independência, centenário da família cascavelense
Alceu A. Sperança
Em 7 de setembro de 2022 o Brasil vai comemorar ou lamentar o bicentenário da Independência?
Vai comemorar se até lá o país vencer a gravíssima crise que vive neste momento, com a economia em cacos e a gestão pública pressionada pela polarização entre a direita liberal desestatizante e a extrema-direita intervencionista que competem no fervilhante Centrão pela primazia de pautar o governo.
Os brasileiros vão lamentar o bicentenário se a crise econômica piorar e se não houver respostas para as crises paralelas: social (pobres recaindo na miséria), ambiental (clima piorando) e sanitária (doença como estado normal em lugar da higidez).
A conferir também a crise institucional, ou seja, a incapacidade de harmonizar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em seu papel histórico de manter o povo na rédea curta das eleições manipuladas, bordoada e cadeia, como o Estado brasileiro sempre fez desde 1500.
Centenário familiar
Em 8 de setembro de 2022 Cascavel vai (provavelmente nem vai, mas deveria) comemorar o centenário da chegada da primeira família que se instalou oficialmente em Cascavel.
Nos últimos anos se assistiu a um injustificável esforço da Prefeitura e da Câmara para apagar a história dos pioneiros de raiz, aqueles que chegaram principalmente entre as décadas de 1920 e 1940.
Semearam a falsa noção de que a cidade de Cascavel nasceu por magia em 14 de novembro de 1951, por ato do governo do Estado, e não a partir de 28 de março de 1930, com a vinda da família Silvério.
Quem despreza a ideia de que "um Jeca! iniciou Cascavel em março de 1930 tem agora a oportunidade de recuar um pouco mais, até 8 de setembro de 1922, escapando do mau-caratismo de mentir que a cidade começou em 1951.
Resumindo: em 1921 o catarinense Antônio José Elias adquiriu dez alqueires da empresa colonizadora Braviaco às margens do Rio Cascavel, junto ao velho (1901) pouso tropeiro/ervateiro da obrage Domingo Barthe, mas só veio morar no Cascavel Velho em 1923, ano em que arrendou a Encruzilhada dos Gomes a Silvério.
Mas um ano antes mandou familiares para se estabelecer aqui. E foi assim que em 8 de setembro de 1922 a pequena caravana composta por uma carroça trazendo oito pessoas (dentre as quais o cunhado de Elias, Ernesto Schiels com a esposa Laurentina e dois filhos pequenos) passou pela Encruzilhada dos Gomes (assinalada pelo monumento da Praça Getúlio Vargas) e seguiu pela estrada ervateira que desenhou a Rua da Lapa, até chegar ao Rio Cascavel, onde começaram a se estabelecer.
Também no Jardim Guarujá
O grupo trazia dez porcos, quatro cavalos e alguns bovinos. O plano da família era criar animais e cultivar alimentos para a subsistência e vender o excedente nos portos do Rio Paraná.
Alguns membros da caravana preferiram a margem de uma trilha onde hoje está o Jardim Guarujá, ali mantendo por algum tempo uma mercearia, mas não ficaram registros desse estabelecimento.
Nessa época, ano de rebeldias militares, a região do antigo pouso ervateiro pertencia ao Município de Foz do Iguaçu.
Ottília, filha do coronel Jorge Schimmelpfeng, prefeito de Foz, contou que no final desse mesmo ano de 1922 ela viajava com o pai pela região e conheceu um lugar que detestou por causa dos ruídos das feras e símios.
Acampando aquela noite na mata, Ottilia se queixou ao pai:
- Mas que lugar horrível!
O coronel Jorge provocou:
- Talvez a gente venha morar aqui.
Ottilia:
- O quê? Na terra dos macacos?
Aí o coronel falou sério:
- Você está enganada, minha filha. Aqui vai crescer uma grande cidade.
O lugar em que o coronel acampou com a filha, futura professora, era a Encruzilhada dos Gomes, situada junto a um banhado ruidoso, que a população da futura Cascavel viria a chamar de?Vila Sapo".
E o nome da cidade que ali cresceu é Cascavel.
Quem perdeu dinheiro em Cascavel?
A região, portanto, era frequentada por viajantes e pelos primeiros moradores em suas atividades, muito antes de começar a ser uma cidade, desde 1930.
Um fato novo traz a questão: será que alguém perdeu dinheiro investindo nessa que viria a ser a grande cidade profetizada pelo coronel Jorge Schimmelpfeng?
Provavelmente foi perdida pelo menos uma interessante moeda de mil réis.
Emitida justamente em 1922 em comemoração ao centenário da Independência, um exemplar dessa moeda acabou escapando de alguma guaiaca em tempos remotos.
Quem a encontrou foi o médico veterinário Márcio Dalmina, cujo hobby é a caça ao tesouro (detectorismo de metais). Recentemente, em sua busca, ele se surpreendeu ao achá-la na atual Praça Parigot de Souza.
Moedas da mesma época foram também encontradas nos sítios de combates da revolução tenentista de 1924/5 em Catanduvas e arredores.
A moeda, com base de bronze e alumínio, ficou conhecida como Duas Caras, por trazer os perfis do imperador Pedro I e do presidente Epitácio Pessoa.
Dupla comemoração
Saudando a volta do arquiteto Luiz Ernesto Pereira à Secretaria Municipal da Cultura, a quem ideias positivas e inovadoras jamais faltaram, é provável que ele junte estas histórias e informações para alguma atividade importante comemorativa do centenário da vinda da primeira família"oficial"cascavelense combinada com o Bicentenário da Independência.
Pensamos em um livro, quem sabe algum material multimídia sobre famílias cascavelenses pioneiras, com base na série 91 Esquecidos, publicada atualmente na página do Projeto Livrai-Nos! no Facebook (https://www.facebook.com/LivrainosCascavel). Como sem apoio do poder público e da iniciativa privada nada anda, o desafio é fazer a coisa (Brasil, mundo e tudo o mais) andar.
Alceu Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br