A fórmula mágica do leite condensado
Alceu A. Sperança
O presidente Jair Bolsonaro, em mais um de seus tão aplaudidos rompantes verbais, mandou a imprensa enfiar leite condensado no rabo.
Não se sabe onde exatamente fica o rabo da imprensa, mas deve ser em alguma parte onde não bate o sol das sábias orientações de Joseph Pulitzer, um jornalista raríssimo em nosso tempo, já que fez fortuna lidando com ela.
Atualmente, por perseguições sofridas ou transformações tecnológicas, quem se dedica a informar sofre maus tratos, salários comprimidos e o fantasma do passaralho. No fundo, informar profissionalmente rende mais amarguras que doce de leite.
Receber boa informação é um direito elementar neste tempo de tantas mentiras sinceras e fake news repassadas sem dó. Pulitzer bem que avisou:
- Nossa República e sua imprensa crescerão ou fracassarão juntas. Uma imprensa capaz, desinteressada, imbuída de espírito público, com inteligência para saber o que é direito e com a coragem para fazê-lo, pode preservar esta virtude pública sem a qual um governo popular será uma impostura e uma farsa. Uma imprensa cínica, mercenária e demagógica produzirá, no devido tempo, um povo igual.
O mel das vitórias
A imprensa merece se deliciar com o doce de leite tão apreciado nos palácios, por onde mana o leite e escorre o mel das vitórias compradas com emendas do orçamento magro?
O Centrão se lambuza com ele desde a Constituinte de 1988. Parecia liquidado em 2018, mas no início de 2021 já vinha de dar a volta por cima emplacando o ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros.
Começou o ano com festa carnavalesca, fazendo barba, cabelo e bigode na renovação do comando das duas casas do Congresso. Abriu assim novamente um céu de brigadeiro para o grupo, que já havia usufruído as delícias leitosas dos voos de galinha, dos pacotes Cruzado e Real, do Mensalão ao Petrolão.
Por que o Centrão nunca perde? Porque achou a fórmula mágica para se aboletar no poder mantendo as massas iludidas com a falsa noção de que mudam tudo a cada eleição.
A fórmula se forjou para vigorar no Brasil desde a Constituinte de 1988, na transposição do regime xucro e gerador de crises da ditadura para o sistema anestésico de vampiro que morde e assopra da democradura 1986-2016.
Ingredientes da fórmula
A fórmula consiste em usar as mazelas do País a favor de um dos polos em disputa: quem está no governo cria crises favorecendo compadres, quem está na oposição alega que tem as soluções para tudo. Alternam-se no poder, mas as crises só pioram.
O Brasil vai bem,"mas o povo vai mal", dizia o general Emílio Médici em 1974. Doce condensado é o marketing dos poderosos: Trump é um tosco e tóxico derrotado, mas quem além dele teve mais de 74 milhões de votos, mesmo com a espantosa mortandade de seus compatriotas causada pelo descuido com a Covid-19? Só um.
De acordo com a fórmula de sempre vencer, na oposição os líderes populistas incentivam a rebelião de Norte a Sul do País. Quando sobem ao poder, fingem que o País vai às mil maravilhas.
O governo democrático, que teoricamente deveria garantir a liberdade dos abastados sem tantas desgraças no andar de baixo, só existe na propaganda. É puro marketing, um palanque permanente, mera continuação do governo anterior.
Rebelde na oposição, omisso no poder
A matança de jovens e pobres na periferia, de índios e sem-terras no campo desmente a ilusão de democracia, mas será sempre democracia enquanto o Centrão conseguir dar as cartas.
As mortes em profusão? No discurso, rola alguma lágrima de crocodilo. Fora de cena, consideram limpeza e não tragédia.
A explosão da informalidade, da flexibilização das relações de trabalho a, no limite, a criminalidade, são entendidas como permissão aos pobres para se ocupar e empreender, ainda que no tráfico, na muamba e laranjices.
Nos grotões, o assistencialismo bolsista controla a rebeldia. Nas capitais, o consumismo, o endividamento e a inadimplência crescem, mas quando a coisa explode o governo acaba e outro vendedor de ilusões entra em seu lugar.
A herança maldita
O novo governo dirá que pegou uma herança maldita e aplicará remédios amargos que empobrecem e desempregam, e aí todos sentirão saudades do governante anterior, que voltará ao poder outra vez, gloriosamente em pessoa ou encarnado em um Novo discurso.
Simples, não? É a fórmula da vitória eleitoral. A fórmula perfeita: desgovernar e manter-se no poder por alternância e aplicando via marketing a ideologia do inimigo interno ou externo.
As doenças e misérias até abalam a fórmula, mas quando o Centrão perde o controle, como em 2018, realimenta-se da aplicação da fórmula nos estados e municípios, onde vivem os deputados e senadores.
E aí o leite longa vida do Centrão é promovido à delícia do leite condensado, produto, aliás, raro nas mesas dos jornalistas proletarizados, subnutridos e diabéticos.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br