Histórico de atleta faz um presidente ser melhor?
Alceu A. Sperança
Embora tido principalmente por um atleta de alcova, o imperador Pedro I era apaixonado por equitação, histórico de atleta que lhe valeu quatro costelas fraturadas. Também na República os presidentes com históricos de atletas sempre foram postos a duras provas.
Sem ser exatamente um atleta, Rodrigues Alves precisou muito jogo de cintura para chegar à Presidência e desempenhar um mandato de sucesso.
Parlamentar, foi considerado"comunista"por defender o ensino público e gratuito. Como se isso não bastasse, lutou pela liberdade para os escravos, medida que para os conservadores iria destruir a economia nacional. A liberdade era antipatriótica.
Imagine o que disseram dele em 1901, quando organizou o Instituto Serumtherapico, que hoje todos conhecem por Instituto Butantan.
Foi do Butantan que partiu a ideia de obrigar todos a se vacinar contra a varíola, na memorável campanha comandada pelo sanitarista Osvaldo Cruz.
Assim, Alves, que lutou pela liberdade antieconômica dos negros, foi contra a liberdade de brancos melhores que os outros de espalhar livremente doenças por aí.
Dormindo no cargo
Fora essas atividades suspeitíssimas, Alves era bem sossegado. Seu atletismo se limitava a uma incrível capacidade de dormir uma boa parte do dia, hábito que lhe valeu o apelido de Soneca.
Nilo Peçanha, por sua ver, tinha olhos muito abertos, conhecido pela esperteza em contornar obstáculos. Sofreu bullying racial por ser mulato e levou a culpa pela primeira onda de fake news que assolou o Brasil, num tempo em que para repassá-las o agressor precisava escrever a calúnia, sem a atual moleza do copia/cola e clica.
Não é que as fakes completarão um século neste 2021?
Nilo concorria à presidência pela oposição quando os quartéis receberam cópias de cartas de teor irritante. Criadas por marqueteiros que achavam os militares trouxas para cair em esparrelas, as postagens atribuíam ao candidato governista, Artur Bernardes, insultos ao líder militar, marechal Hermes da Fonseca.
Manobra frustrada
O truque enganou muita gente, mas a verdade apareceu pela qualidade da imprensa profissional e Nilo perdeu a eleição. Mas esperto Nilo era. O sábio Gilberto Freyre (até tu, mestre?) qualificou Peçanha de um exemplo de mestiço que dribla os problemas com malícia e malandragem, simulando e escondendo o jogo.
Como se estivesse se referindo a Neymar ou Garrincha, Freyre escreveu que "o nosso estilo de jogar (?) exprime o mesmo mulatismo de que Nilo Peçanha foi até hoje a melhor afirmação na arte política".
Quanto a Hermes da Fonseca, que no futuro seria o primeiro gaúcho presidente, logo que o tio marechal Deodoro assumiu a presidência deu um salto sem vara que o fez ser promovido no intervalo de dez meses de capitão a tenente-coronel.
Interessante que depois, sob as ordens de Soneca, digo, presidente Rodrigues Alves, foi escalado para comandar a repressão aos antivacinas da época.
Fonseca desceu o porrete sem dó em 1904 nos revoltados que em nome da liberdade individual protestavam contra a obrigatoriedade da vacina antivariólica.
Foi por descer bem o cacete em quem era contra a vacina que Rodrigues Alves o promoveu a marechal e lhe escancarou a eleição de 1910, na qual derrotou ninguém menos que Rui Barbosa e foi o sucessor de Peçanha.
Os pontos Gês
Dentro de alguns meses, o problema do 5G será resolvido com facilidade, no melhor interesse nacional. Em sua época, entretanto, o presidente Venceslau Brás não teve moleza ao enfrentar o 5G que lhe apareceu: a Grande Guerra (depois passada à história como I Guerra Mundial), a Gripe Espanhola, as Greves de 1917, a Guerra do Contestado e Ganhar para Santa Catarina o antigo Sudoeste do Paraná, que nos fazia vizinhos dos gaúchos.
Brás driblou tudo que lhe apareceu pela frente: fez-se atleta na correria a que foi obrigado por tantos desafios.
Os jovens podem achar que vida de presidente é só viajar, bater papo com seguidores e zoar adversários, mas é uma função difícil, como se nota ao conhecer a fundo a história dos ex-presidentes. Delfim Moreira, por exemplo, foi dado por louco.
Histórico excelente de atleta quem teve foi João Goulart. Praticava natação e Jogava futebol como poucos. Lateral-direito de encher os olhos, jogou no Internacional, pelo qual foi campeão infanto-juvenil.
Tomou uma tremenda bola nas costas em 1964, mas que presidente não levou pelo menos uma invertida?
Vale manter a forma
Lá fora, o líder russo Vladimir Putin não tem só um histórico de atleta. Ele é um atleta ainda hoje, aos 68 anos, sempre visto mexendo com bola, competições ou nadando com vigorosas braçadas.
Bons presidentes promovem o esporte como saúde e força para sua juventude e nessa conta os EUA acabam de emplacar mais um líder com histórico de atleta: Joe Biden sofria muito bullying por ser gago, mas venceu as limitações com a disciplina de um aplicado jogador de futebol americano com ótimo histórico ainda no beisebol.
Por sua vez, o líder chinês Xi Jinping, que teve o pai preso quando ele tinha dez anos e viveu em uma caverna até dar a volta por cima, é fanático por futebol e espalhou campos do esporte bretão por toda a China, também devoradora de medalhas olímpicas.
Atletas sofrem, como viram Xi e o lateral-direito Janguinho, mas Biden chegar à presidência aos 78 anos, depois de enfrentar batalhas renhidas, é prova de que, enfim, um histórico de atleta faz um grande bem a qualquer um. A questão é se vai dar no couro como presidente. A história dirá.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br