Coopavel Ano 21: as dívidas que vieram do nada
Com os ventos democratizantes trazidos pela Constituição de 1988, em 1990 foi promulgada também a Lei Orgânica do Município de Cascavel, que refletia a participação dos agropecuaristas na formulação. Eles confiaram tanto na democracia que inspiraram a lei 2.186/91, sancionada pelo prefeito Salazar Barreiros, ele próprio ruralista e ex-presidente da Coopavel.
Criado em fevereiro de 1991, o Conselho de Desenvolvimento Rural de Cascavel possuía poderes executivos, tanto para para elaborar o orçamento do setor quanto para formular um Plano de Desenvolvimento Rural. No papel, apesar do texto esparramado e sem clareza, a Lei Orgânica era um sonho ruralista:
"O Município promoverá o desenvolvimento integrado do meio rural, consoante às aptidões econômicas, sociais e os recursos naturais, mobilizando todos os recursos disponíveis do setor público, em sintonia com a atividade privada e mediante a elaboração de um plano de desenvolvimento rural integrado, contando com a efetiva participação dos produtores, trabalhadores rurais, profissionais, técnicos ligados ao setor afim, líderes da identificação dos obstáculos ao desenvolvimento, nas formulações de propostas, soluções e execuções".
Mesmo difícil para entender, usar "todos os recursos disponíveis" era agradável aos olhos. O Plano de Desenvolvimento Rural Integrado nasceu com o mesmo espírito elevado: estabelecia "os objetivos e metas a curto, a médio e longo prazo, com desenvolvimento executivo em planos operativos anuais, integração de recursos, meios e programas dos vários organismos integrado[s] da iniciativa privada, Município, Estado e União".
Coordenado pelo Conselho de Desenvolvimento Rural, o Plano teria ações, dentre outras, para preservação da flora e da fauna, pesquisa, fiscalização sanitária, ambiental e de uso do solo, armazenagem, incentivo à agroindustrialização e, ambiciosamente, "a extensão dos benefícios sociais existentes nas sedes urbanas para a área rural".
O Conselho foi criado, mas não chegou a cumprir tantas finalidades. Esvaziado em seguida pelo fortalecimento do Poder Executivo, que se insurgiu contra a Lei Orgânica e também cerceou outros conselhos com atribuições executivas, desapareceu de cena e foi recriado em 2005, em outras condições.
O caso do Conselho Rural tão cheio de poder e amplitude de atribuições é representativo do sentimento de contrariedade dos agricultores com a diferença que verificaram entre promessa e realidade. Em 1985, os ingênuos cooperados se assustaram ao saber que os gestores ganhavam altos salários.
A cada ano depois de 1985 ocorria uma nova frustração quanto ao que esperavam depois da ditadura e não vinha. Arruinada por seu próprio fracasso na economia e por incapacidade de formular políticas sociais, o regime superado deixou entulhos autoritários que transformaram a esperança por democracia em mais crises, protestos e insatisfação.
Entre as muitas certezas que surgiram na época, a principal aposta foi a confiança em que as eleições diretas para presidente trariam a democracia e, com ela, o governo jamais voltaria a produzir políticas antipopulares. O povo finalmente iria diretamente determinar as ações das prefeituras, governos de Estado e da União.
A primeira frustração foi o golpe dado pelo presidente Fernando Collor de Mello já no primeiro de governo, em março de 1990, impondo à Nação um plano que não havia sido proposto aos eleitores.
Logo ficou claro que as promessas feitas não seriam cumpridas e um ano depois os efeitos prejudicais dos planos impostos à nação já ficavam muito evidentes: a inflação não foi domada e o Plano Collor Rural, da noite para o dia, reajustou de 41,28% para 84,32% os índices dos contratos de financiamento agrícola e de crédito rural firmados entre os agricultores e o Banco do Brasil.
Antes do Plano Collor Rural, o agricultor que devia ao Banco do Brasil 1.000 sacas de soja, por exemplo, teria que pagar 1.412 sacas do mesmo produto. Com o Plano Collor Rural, o mesmo agricultor foi obrigado a pagar 1.843 sacas do produto. Ou seja: 43,04% a mais do que devia.
Outra frustração foi o Mercosul. Criado em março de 1991 pelos presidentes de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Tratado de Assunção prometia um Mercado Comum do Cone Sul que nunca aconteceu, mas na época despertou muita confiança, como a eleição presidencial direta, antes proibida.
Era tão grande a confiança no Mercosul que em maio a Prefeitura de Cascavel, em conjunto com a Ocepar, Acic, Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia e Sociedade Rural do Oeste, promoveu com entusiasmo o I Encontro de Integração Brasil-Paraguai. Um II Encontro jamais foi programado.
No campo, o clima desafiador afetou algumas safras seguidas de soja, reduzindo a produção entre 1991 e 1993, situação que inspirou entre os cooperados uma aposta mais forte na meta de aumentar a produtividade com programas de transferência de tecnologia para o campo.
"A cooperativa buscava aumentar a produtividade agrícola, melhorando a eficiência do agricultor, que deveria colher mais grãos da mesma área plantada. Isso só seria alcançado com o acompanhamento de especialistas junto aos produtores, incentivando-os a aprimorarem suas técnicas de plantio e colheita" (Beatriz Mammini, Estratégias de Produção de Soja da Coopavel no Período de 1990 A 2000).
Um dos debates mais importantes da época entre os afiliados à Coopavel era como o agropecuarista poderia progredir depois de chegar à última fronteira agrícola, determinada pela formação do lago de Itaipu, em 1982. A resposta veio dupla: ganhos de produtividade via tecnologia e agroindustrialização.
A Coopavel não só compreendeu que essa era a realidade como se lançou de imediato à implantação de uma indústria de fertilizantes (foto) em 1991, que iniciaria operações no ano seguinte.
Feita pequena depois de ter sua expansão tolhida pelos dramáticos acontecimentos da década de 1980, ainda a caminho da plena recuperação financeira e suportando a sucessão de crises nacionais, a Coopavel "não tinha lastro para financiamento de projeto de longo prazo, por isso os bancos e instituições financeiras não apoiaram, e a solução foi iniciar com os poucos recursos disponíveis em caixa" (Coopavel, revista nº 401, dezembro de 2015).
Depois de tanto esperar soluções e que as promessas se cumprissem, a Coopavel percebeu que precisaria contar com seus próprios recursos para levar adiante os planos dos cooperados. Por isso a década de 1990 encontrará os ruralistas com os pés no chão e obtendo resultados mais consistentes. (Leia amanhã: Apostas erradas e estratégias certas)
Fonte: Projeto Livrai-Nos!