Coopavel Ano 15: cooperativa e Brasil sob nova direção
A extensão das atividades da Coopavel ao Sudoeste do Paraná e Oeste de Santa Catarina foi da euforia ao temor pelo futuro. Durante 1984, sofreu um prejuízo de 25 bilhões de cruzeiros. Relatório paralelo apontava que 11 bilhões resultaram de "negócios mal encaminhados".
O cenário ruralista era desolador: a Coopavel em crise e no Sindicato Rural os dirigentes fazendo empréstimos em seus próprios nomes para custear compromissos da entidade.
Na cidade, cresciam problemas sociais de toda ordem. Para o padre João Corso, o fenômeno das crianças abandonadas na cidade foi consequência do êxodo rural e do empobrecimento dos camponeses na periferia urbana.
A urbanização atraía os expulsos do campo para a florescente indústria da construção civil, mas nem ela nem frentes emergenciais de trabalho eram soluções para o desequilíbrio socioeconômico.
Dez anos depois de esgotado o ciclo da madeira, a descapitalização e a proletarização ameaçavam os pequenos agricultores de Cascavel, segundo o Departamento de Economia Rural da Secretaria de Estado da Agricultura. Mais de sete mil propriedades rurais foram vendidas em pouco tempo entre Cascavel e Toledo.
Tensões com o Sindicato Rural
Nos bastidores da Coopavel, denúncias de irregularidades administrativas se acumulavam em dossiês extraoficiais. Os dirigentes do Sindicato Rural estavam seriamente preocupados. Além do relacionamento estreito com a cooperativa, ela nasceu no próprio Sindicato, quando ainda era Associação Rural de Cascavel.
Estava no topo da pauta a proposta de rompimento com a Coopavel, mas a diretoria, cautelosa, decidiu aguardar o resultado de uma assembleia da cooperativa antes de tomar a posição que, a rigor, teria o efeito simbólico de empurrá-la para o fim.
Enquanto essas tensões se acumulavam, em Brasília a pacificação acontecia: a oposição e as alas moderadas da ditadura, com o apoio do ex-presidente Ernesto Geisel, uniram-se para eleger Tancredo Neves para a Presidência da República, ainda indiretamente, em 15 de janeiro de 1985.
Logo, em 1º de fevereiro a crise na Coopavel explodia para o conhecimento do Brasil: a dívida subia a Cr$ 52 bilhões. A diretoria caiu em assembleia no dia seguinte: a destituição foi decidida por 952 votos a 246.
Recomeço e dúvidas
Depois de longas discussões e enfim entendimentos, assume provisoriamente o advogado e agropecuarista Salazar Barreiros como presidente, com o médico veterinário Joaquim Felipe Laginski na função de vice-presidente. Dois integrantes dessa nova diretoria teriam depois papéis preponderantes na normalização das atividades da Coopavel: Ibrahim Faiad e Dilvo Grolli.
A nova diretoria revelou que a dívida real chegava à casa de Cr$ 63 bilhões e tinha a promessa do PMDB, que agora estaria no poder nos governos federal, estadual e municipal, de que não faltaria apoio para a recuperação da cooperativa.
Na sociedade, porém, havia temor e dúvidas: o Sindicato Rural deliberou pela rejeição a um novo convênio com a Coopavel e Wilson Kuhn avisava que pediu demissão das funções de assessor jurídico da cooperativa.
Os três mil associados do Sudoeste do Paraná e Oeste de Santa Catarina, cerca de um terço do total, entregaram à nova diretoria, em assembleia realizada em 30 de março, proposta de venda de seu patrimônio no Sudoeste do Paraná e Oeste catarinense à Copasa (órgão do Estado do Paraná).
Tancredo morre e o campo se revolta
Para Cascavel, foi um período crucial, devido às circunstâncias da época: bem no meio da década, a ditadura estava caindo e a Coopavel só poderia se reerguer se o novo governo colaborasse.
Com a morte de Tancredo, em abril, e a efetivação na Presidência de José Sarney, ligado ao governo antigo, os ruralistas se perguntavam se já seria hora de desmobilizar os protestos.
Em reunião extraordinária no dia 20 de junho, atendendo a uma sugestão do líder cooperativista Romano Czerniej, Wilson Kuhn propôs que o Sindicato Rural comandasse no dia seguinte um megaprotesto da região contra a política agrícola do regime autoritário.
O Sindicato estava aturdido com a nova situação e não houve unanimidade, mas Kuhn já havia manobrado para apoiar a concentração de sitiantes, fazendeiros e sem-terras.
Na manhã de 21 de junho de 1985, os ruralistas partiram para trancar a BR-277, na altura do trevo do Posto Cataratas. O protesto seria acompanhado pela divulgação de uma pauta de reivindicações.
Milhares de agricultores mobilizados por cooperativas e sindicatos rurais garantiram a força do movimento, mas o Sindicato Rural de Cascavel naquele momento estava dividido.
Wilson Kuhn pretendia ampliar o movimento, mas a diretoria do Sindicato preferia se concentrar no entendimento com a Coopavel, assegurado pelo aceno dos líderes cooperativistas Salazar Barreiros, Nelson Menegatti, Gama Meneghel, Benjamin Sbaraini e Sadi Lazari de se associar ao Sindicato Rural.
No fundo da divisão estava o fato de que os membros mais conservadores do Sindicado não aceitavam o protagonismo dos sem-terras nos protestos rurais.
Na Coopavel, ao mesmo tempo, a antiga postura antigovernista mudava totalmente, passando ao alinhamento automático ao poder, para facilitar a rápida recuperação.
Marcha da Panela Vazia
O indesejado protagonismo dos sem-terras cresceu em 29 de agosto de 1985, com a expulsão de um grupo de 47 famílias de posseiros que ocupavam a Fazenda Brilhante. Dois dias depois, quatro mil boias-frias, arrendatários, posseiros, meeiros, minifundiários e trabalhadores rurais expulsos da terra, além de brasiguaios sem terra, reuniram-se diante da Catedral de Cascavel na Marcha da Panela Vazia, convocada pelo Movimento dos Agricultores sem Terra (MST) e pela Pastoral da Terra da Igreja Católica.
Nessa época, o entendimento era que a ditadura fracassou em seu projeto de reforma agrária e por isso os sem-terras perderam a paciência, iniciando um ciclo de ocupações para forçar o novo governo a finalmente realizar a Reforma Agrária, mas as notícias de ocupações de terras e ameaças de invasões causaram discórdia e tensões no campo.
As décadas passavam, os governos se sucediam, os desalojados do campo continuavam sem resposta e a Reforma Agrária que o general Castelo Branco tentou em 1964 nunca veio, nem com a ditadura, a partir de 1968, nem com a "Nova República", com José Sarney
A ditadura chegava ao fim em 1985, mas ainda não havia democracia. E o movimento ruralista, antes coeso, agora estava rachado irremediavelmente. (Leia amanhã: Plano Cruzado seduz a cidade e divide o campo)
Fonte: Projeto Livrai-Nos!