Coopavel Ano 14: rumores, atritos e acúmulo de prejuízos
Entre fins de 1983 e princípios de 1984, a seca prosseguiu, acarretando enormes prejuízos para os produtores rurais. O novo ano começou cheio de tensões e em 21 de janeiro, um encontro nacional de agricultores sem terra fundava o MST em Cascavel.
Cerca de 16 mil famílias de agricultores sem-terra se arrastavam pelo Paraná. O número de boias-frias ultrapassava os 450 mil. Sem uma ação corretiva do governo, houve uma intensificação dramática da mobilização no campo, que iria culminar com a radicalização do MST.
Ruídos dissonantes já partiam do Sindicato Rural em direção à Coopavel, que diplomaticamente, partindo do princípio de que "as cooperativas representam a força econômica dos agropecuaristas e o Sindicato Rural representa a força política", propôs em 20 de junho ampliar o convênio com o SR para atendimento médico.
Entre dois fogos, o sindicalista rural Luiz Sinsen, também ligado à cooperativa, observou que os dirigentes do Sindicato "não veem a hora de saldar os débitos e se livrar da Coopavel".
Claudionor Ebling denunciou a existência de uma "panelinha" na Coopavel, que precisava ser dissolvida para preservar os princípios corretos do cooperativismo:"Devemos nos unir em cooperativas porque senão as multinacionais tomam conta do mercado".
Dessas opiniões veio a proposta de convocar uma reunião com a diretoria da Coopavel para enfrentar os problemas levantados pelos associados do sindicato também ligados à cooperativa.
O êxodo geral
As previsões eram sombrias. Caos na cidade, saques a supermercados e depredações, que não se confirmaram. Houve um novo fenômeno: o êxodo total.
Não era mais o camponês deixando a lavoura e simplesmente rumando à cidade mais próxima e sim a busca de alternativa em outras regiões do país.
Em dez anos, 1,5 milhão de agricultores saíram do campo para a cidade, mas 1 milhão mudaram de Estado. Mais de sete mil propriedades rurais foram vendidas em pouco tempo nas regiões de Cascavel e Toledo, como fruto da descapitalização e proletarização dos pequenos produtores rurais.
Gerci Caetano Cambri, que substituiu Clésio Beltrame nas funções de mediador da Coopavel perante o Sindicato Rural, relatou a falta de estrutura de educação para o trabalho, incompreensões em torno do Estatuto do Trabalhador Rural e a "execução severa da lei trabalhista" que causavam mais confusão que solução nessa conjuntura adversa.
Com a crise descontrolada, o governo ditatorial em ruínas interrompia as já lentas obras da Ferrovia da Soja, como era chamada na época ligação entre Guarapuava e Cascavel.
Enfrentando o caos
Em agosto, a Coopavel retirava Gerci Cambri da assistência ao Sindicato Rural em reposta às acusações de haver uma "panelinha" na diretoria da cooperativa. O Sindicato não se conformou com a decisão, dispondo-se a revertê-la na reunião com dirigentes da Coopavel, prevista para o fim do mês.
A reunião se destinava a esclarecer um tsunami de boatos em torno da situação de iminente falência da Coopavel. "A constatação, em julho de 84, de que o exercício findaria com um rombo de 30 bi defrontou a diretoria pela primeira vez com a possibilidade de que nada mais havia a fazer senão abrir o jogo perante o quadro associativo" (Revista Oeste nº 2, setembro de 1985).
Estavam presentes na sede do Sindicato Rural o diretor-presidente da Coopavel, Luiz Boschirolli, Olívio Barzotto (vice-presidente) e Milton Lago (secretário). A reunião foi presidida por Archile Martini, do Sindicato Rural.
Nela, foram expostas diversas queixas dos agricultores. Boschirolli reconheceu que muitas reclamações tinham fundamento e por isso a diretoria estava empenhada em ouvir as ponderações e tomar providências.
Panelinha ou equipe coesa?
Milton Lago via a suposta"panelinha"como uma equipe coesa de trabalho, mas Francisco Salvatti considerou a expressão ofensiva. Harry Kruger, pela primeira vez, tocou no ponto crucial: o risco de falência da Coopavel, comentário corrente mas ainda silencioso entre os associados ansiosos por uma solução diante de tantas dificuldades.
"A grande maioria dos associados estão descontentes com a Coopavel", expôs, francamente, Archile Martini. Luiz Boschirolli pediu que todos o procurassem diante de qualquer problema. Entretanto, sua gestão a partir desse instante ingressou numa espiral declinante impossível de conter.
Dentro da Coopavel havia a certeza de que a salvação estava na política:. Esse princípio iria nortear a formação de uma sólida bancada ruralista no Congresso Nacional.
A diretoria da Coopavel não escondia essa intenção. Decidiu até montar um fundo particular para financiar campanhas eleitorais para o pleito de 1986 e assim criar lobbies parlamentares na Assembleia Legislativa e de Câmara Federal para defender seus mais de nove mil agricultores afiliados.
Fundinho eleitoral
A ideia dos lobbies foi trazida dos EUA, onde essa prática é legal e corriqueira. Já nas eleições de 1982 a Coopavel apoiou quatro candidatos (dois a deputado estadual e dois a federal) em troca do compromisso de que, uma vez eleitos, passassem a defender um detalhado programa contendo uma série de reivindicações dos agricultores filiados, noticiava o jornal Gazeta Mercantil (28/9/1984).
Os quatro candidatos foram Antônio Mazurek, Aroldo Moletta, Edgard Pimentel e Mário Pereira. Os eleitos teriam até salas próprias na sede da cooperativa.
O fundo eleitoral seria formado pelas contribuições de todos os associados, depositado na Credivel, a cooperativa de crédito da Coopavel para render até a próxima campanha. "O que precisamos é fortalecer a agricultura, o segmento mais importante da sociedade brasileira", justificou Boschirolli.
No entanto, o que os ruralistas viessem a tentar a partir de agora já não teria mais a participação de Wilson Carlos Kuhn. Ele sequer participou da tensa reunião entre Archile Martini e Luiz Boschirolli.
Sem surpresa, em 25 de outubro de 1984 ele, que viera da Coopavel como a solução para a aliança entre a cooperativa e o Sindicato Rural, comunicava seu afastamento temporário da presidência para cumprir missão na OAB, com o que também se afastava das intrigas entre o SR e a Coopavel.
Para o bem, em 1984 a Coopavel foi feliz ao definir uma área às margens da BR-277 (foto) para iniciar as atividades do Ceta (Centro de Experimentação e Treinamento Agropecuário). (Leia amanhã: Crise estoura: Coopavel e Brasil sob nova direção)
Fonte: Projeto Livrai-Nos!