Coopavel Ano 2: Brasil em crise, mas o agricultor confiante
Os primeiros anos da Coopavel, para seus associados, poderiam ser descritos como uma sequência de fatos dramáticos e eufóricos.
Cascavel crescia muito por causa da madeira e da soja, mas a cada inverno os agricultores ficavam na situação de fazer um gol com uma safra portentosa ou sofrer o contra-ataque de uma geada fatal.
Nas condições dramáticas de 1972, a existência de duas cooperativas em Cascavel representava uma resistência incomum dos agricultores, rara em outras regiões do país.
Dez anos antes, porém, quando surgiu a primeira cooperativa (a Copacol, em Cafelândia), nem mesmo um dos mais dedicados iniciadores de todo o processo - o engenheiro agrônomo Antônio Reis, servidor da Secretaria da Agricultura do Estado e ex-presidente da Associação Rural de Cascavel -, acreditava que o cooperativismo fosse sobreviver em Cascavel.
Reis não acreditava que fosse possível a união de agricultores de origens heterogêneas, habituados ao individualismo e ao círculo familiar.
Reunir-se em torno de uma cooperativa com regras empresariais bem definidas por uma gerência alheia ao lar de cada um não parecia muito convincente aos agricultores mais conservadores.
Em Cafelândia, a confiança na Igreja Católica favoreceu o projeto, mas em Cascavel havia forte oposição, como previa Reis.
Boicote à cooperativa
A partir de 1968 a produção de soja e trigo passou a alcançar um volume maior de produção e comercialização, piorando os problemas pela ação dos atravessadores gananciosos a serviço das transnacionais da agricultura. "(...) face ao volume de produção atingido pela soja, surgiram as primeiras dificuldades de comercialização, obrigando os agricultores a vender esse produto a intermediários, por preços aviltantes" (Relatório Anual, Cotriguaçu, 1976).
Crescia a consciência de que a resposta para isso era a cooperativa. Assim, desta vez o presidente do Sindicato Rural, Antônio Simões de Araújo, não enganou mais a oposição anticooperativa no edital da Assembleia Geral Extraordinária prevista para 15 de janeiro de 1968: especificava que ela iria "tratar assuntos da cooperativa".
No entanto, mais uma vez os opositores esvaziaram a assembleia, não permitindo o número legal para iniciar a sessão.
A diretoria decidiu fazer uma nova convocação para o dia 27 de janeiro, já dando como fato consumado a "recém-fundada Cooperativa Agrícola de Produção Rural de Cascavel Ltda"e determinando repassar o estoque, alguns móveis e utensílios da antiga Associação Rural para a cooperativa.
Houve muita oposição a essa manobra. Abriu-se uma guerra entre o presidente Simões e o associado Queiroga, cuja expulsão foi sugerida mas não concretizada.
Uma S/A ou uma cooperativa?
Em nova Assembleia Geral Extraordinária em 10 de fevereiro de 1968, Simões conseguiu reunir o número mínimo e propôs agora com sucesso que o Sindicato fizesse um empréstimo à cooperativa em processo de fundação, para se capitalizar, a juros de 1% ao mês no período de dois anos.
A proposta continuou a se desenvolver também fora do Sindicato, que legalmente não tinha atribuições para incorporar uma cooperativa nos moldes desejados pelos agricultores.
Cinco agricultores se reuniram então na oficina de José Smarczewski, o Zé do Torno. Ele, os irmãos Adolpho e Celeste Cortese, Ladislau Ferco e Roberto Wypych "pretendiam formar uma S/A para comprar direto e fazer armazéns, mas o gerente do Banco do Brasil na época, junto com o padre Luiz Luíse, ficaram sabendo dessa reunião, vieram e incentivaram a criação de uma cooperativa (...) cada um ficou responsável por trazer mais dez agricultores para a próxima reunião para que se formasse a cooperativa. Na próxima reunião houve a presença de 50 agricultores para o início da cooperativa" (Vitor José Smarczewski, engenheiro agrícola e civil, filho de Zé do Torno).
O que mudou
A união dos integrantes da Associação Rural em seu processo de transformação em Sindicato Rural, o desenvolvimento da Copacol, a habilidade dos agrônomos da extensão rural, os Clubes 4S de inspiração americana e a ditadura que não admitia contestações mudaram completamente a situação.
Tudo isso foi importante e cumulativo, mas um fator nunca antes calculado pôs ao chão de uma só vez qualquer resistência: o Projeto Iguaçu de Cooperativismo, criado para que os agricultores aproveitassem melhor as possibilidades do boom exportador iniciado em 1969.
Foi assim que em poucos meses a Coopavel saiu da situação de uma ideia no papel para um caminho estruturante desde o início, materializado rapidamente pela doação de uma área de terras do Município à cooperativa.
Anoitecendo e amanhecendo
O ano 2 da Coopavel foi atrapalhado pelo inverno de 1972. O clima destemperado propiciou o aparecimento de doenças na cultura do trigo, que, somadas às geadas tardias, na floração, reduziram o valor da produção e a qualidade do cereal, desviado para a alimentação de animais, causando mais uma crise financeira no meio rural.
A situação dos agricultores naqueles anos mais difíceis foi descrita com precisão pelo agricultor Danilo Scanagatta:
"Em pleno 7 de setembro, estávamos com o trigo muito bonito, lourando, e veio uma geada tão grande que acabou com tudo. Falei à minha esposa:"Anoitecemos ricos e amanhecemos pobres".
Com o cooperativismo em estruturação, os agricultores conseguiriam ter noites e manhãs compatíveis com suas possibilidades, apesar das manobras dos aproveitadores e das dificuldades do clima. Em 1972, a Coopavel já inaugurava sua filial em Corbélia. (Leia amanhã: Golpe no café, preços altíssimos e Guerra do Petróleo)
Fonte: Projeto Livrai-Nos!