Alceu A. Sperança

 

- Pai, o que é candidato?

- Tua mãe já não te disse?

- Eles falam muito em dar dignidade. O que é dignidade?

- Não liga, filho. São besteiras que os candidatos acham bonitas e dizem sem pensar.

- Eles não pensam?

- Não quando se deixam influenciar por raposas, os marqueteiros.

- Raposas? Marqueteiros?

- Raposas humanas, que se julgam muito espertas e criam truques para enganar eleitores.

- É muito complicado, pai. E você fica nervoso quando fala nisso.

- Desculpa, filho. Eles me tiram do sério. 

- Mas os candidatos dizem que vão dar dignidade. Isso não é uma coisa boa?

- Seria uma coisa ótima se eles pudessem dar dignidade para alguém.

- Não podem? Eu quero dignidade. Se é coisa boa e eles estão dando, eu também quero.

- Dignidade é o que uma pessoa sente quando tudo está bem com ela, mas não pode ser dada ou emprestada. Pertence só a quem tem.

- Como a piscina do vizinho?

- Não, ele pode convidar você a tomar banho na piscina (tomara que convide, com esse calorão!), mas mesmo que ele queira não pode dar dignidade pra ninguém.

- Difícil entender.

- Dignidade pode ser perdida, mas outro não pode achar e usar. É uma situação,  não uma coisa.

- Muito complicado, pai. Eu ainda não entendi o que é candidato. É uma boa profissão?

 

Candidato é alguém bom e honesto

- Candidato, na teoria (e não me pergunte o que é teoria, K!), é alguém tão bom, justo e honesto que um tipo de gente especial - o partido, rsss, político, rsss - oferece ele ao povo para ser seu representante, rsss.

- Não entendi nada. Por que você ri tanto? Candidato é engraçado?

- Rssss. Sim, muitos até chegam a ser ridículos.

- Tá, já sei que eles são ridículos porque prometem dar dignidade mas não podem, porque não têm dignidade pra dar?

- Até podem ter, um aqui, outro ali, mas mesmo que tenham não podem dar. Dignidade é uma coisa muito pessoal, assim como o fígado ou o estômago.

- Mas por que não podem dar? Se eles têm e estão dando, eu quero!

- Você já tem dignidade, e muito mais que eles.

- Está guardada no banco, pai? Porque eu nunca vi isso aqui em casa.

- Aí você me quebra, piá! Dignidade é você ter direitos respeitados. Você nasce com isso, mas aí um rsss candidato se elege e tira isso de você.

- Mas se candidato é o melhor, bom, puro e justo, por que ele quer tirar minha dignidade?

- Para equilibrar as contas públicas.

- O quê?

- Se eu te explicar essa indecência eu acabo preso por ofender o Estatuto da Criança e aí lá se vai a minha dignidade e a tua, tudo pelo ralo!

 

Mãe, o que é comer um todo?

- Mãe, o pai está muito chato. Não quer explicar nada. Não diz coisa com coisa.

- O que você quer saber?

- Por que os candidatos falam que comem um todo?

- Comem o quê?

- Um todo. Eu também quero comer um todo. É gostoso?

- Bem, eles não comem um todo. Eles só dizem como um todo.

- Mas não comem?

- Até comem. Alguns são bem gulosos e acabam comendo o erário!

- Erário?

- Ai, agora tenho que dar banho na tua irmãzinha. Vai lá que o pai explica.

- Está lendo jornal e odeia ser interrompido...

- Então procura teu tio Substantivo. Ele é padre verbita, bem que pode gastar uns adjetivos e interjeições com você.

 

Tio, o que é terceiro mandamento?

- Tio Substantivo, o que é erário?

- Cansei!

- Cansou do quê, tio?

- Ah, desculpe. Quando eu cochilo no meio de uma conversa chata eu acordo cansado.

- Por que os candidatos falam tanto em Deus?

- Cansei!

- Tio?

- Ah, cochilei de novo. Falam porque não respeitam o terceiro mandamento.

- O que esse mandamento diz?

- Cansei! Ah, diz para não usar o nome da divindade em vão.

- Isso é pecado?

- Cansei! Desculpe, sim, pecado que está na mesma lista de não matar, não roubar nem cobiçar a mulher do próximo.

 

Enxugar a máquina? E quando ela secar?

- Pai, tio Substantivo, sim, é o cara. Ele cochila muito e anda cansado, mas explica tudo bem direitinho. Você e a mãe só me enrolam.

- Mas o que você quer saber?

- Estão prometendo enxugar a máquina. O que é isso?

- Acham que está molhada com propinas.

- Propinas são molhadas?

- Molham muitas mãos com o dinheiro dos impostos.

- E quando a máquina estiver seca, o que acontece?

- Aí precisa pôr lubrificante.

- Lubrificante?

- Sim, o dinheiro dos impostos, filho. Impostos! Reajustes, alíquotas maiores, o diabo!

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- Mãe, o chato do pai me deixou falando sozinho quando perguntei o que são impostos.

- Teu pai não teve a dignidade de te explicar isso?

- Não, mãe. Saiu gritando uns kkks e foi pro boteco. Sem máscara, mãe. Sem máscara! (Foto: Pixabay)

 

Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br