Prefeito do tipo minilua: está lá, mas não se sabe o que é
Alceu A. Sperança
Aproxima-se da Terra um ente, objeto ou astro celestial. Como nossos corações nem sempre entendem o que vem dos céus, mais uma vez a sinuca se apresenta.
Para alguns, o provisoriamente batizado Asteroide 2020 SO é uma pequena lua que se faz visível. Outros o supõem um bloco de lixo espacial, como as montanhas de plástico vistas nos oceanos.
Há também a versão nada desprezível de que o objeto poderia ser um antigo foguete da corrida espacial entre EUA e a antiga URSS, nos tempos em que não havia a cooperação que hoje permite um consórcio para produzir vacinas antiCovid.
A conquista do espaço encareceu porque foi uma competição quando deveria ser a cooperação que hoje é. A humanidade, portanto, não piorou tanto quanto o sistema político-econômico, implacável gerador de crises que a cada década incorpora sempre uma crueldade a mais: sanitária, ambiental, climática, humanitária.
A teoria de que é sucata espacial e não minilua é defendida por Paul Chodas, do Centro de Estudos de Objetos Próximos à Terra da Nasa. Duvidam da Nasa por mostrar queimadas na Amazônia, mas coisas tipo astros misteriosos é a praia dela.
O fato objetivo é que o objeto se faz cada vez mais visível mas ainda não se pode saber o que realmente é, nem compreendê-lo.
O Estado é laico, Laika é a cadela
Nas eleições municipais, os candidatos à Prefeitura e Câmara Municipal são mais ou menos como esse objeto indefinível: as convenções partidárias os definiram, mas é difícil saber o que realmente pretendem.
A minilua ou coisa que o valha está lá no céu, em aproximação que a fará ser compreendida a cada quilômetro mais perto.
Os candidatos, entretanto, não podem se aproximar. As pessoas não querem vê-los nem pintados, pois não usam máscaras e por onde passam contaminam de Covid os incautos que ousam abraçá-los para tirar selfies.
São vistos na internet, onde usam discursos genéricos nada diferentes dos que já disseram antes seus concorrentes. Traem ou escondem seus partidos, envergonhados. Ou mudam para outro, sem explicar como trocaram de credo tão de repente.
Alguns se comportam inconstitucionalmente: estelionatários, apresentam-se como representantes de entes celestiais.
Sem procuração com firma reconhecida dos céus, são miniluas sem explicações convincentes, que ao não respeitar o Estado laico bancam a Laika, a cadela que viajou pelos céus em velha sucata espacial.
Miniluas não usam máscaras
Cena alegre e emocionante é o eleito celebrado entre vivas, festas e cumprimentos efusivos. O espetáculo democrático encerra sua gravidez e a criança do futuro nasce com a promessa de que o novo governante vai redimir a nação de mazelas seculares.
Tudo será diferente, apesar de o sistema político e econômico vigente ser o mesmo há mais de dois séculos. Como a cada Réveillon, a cada eleição as esperanças se renovam. Agora vai! A prosperidade será a lei. Muito dinheiro no bolso e saúde pra dar e vender.
Foi assim na grande festa da eleição de Rafael Correa no Equador. Sendo um economista brilhante, não precisava de um Posto Ipiranga para orientá-lo.
Estudou na Europa e EUA. Não era, portanto, um operário analfabeto, um poste sem luz própria ou um não gestor do baixo clero chegando ao poder.
No governo, Correa diminuiu a pobreza e dobrou o crescimento econômico. Como nenhum outro presidente branco, falava com a população indígena em seu idioma nativo.
Tudo era novo nele: até criou para si um partido, a Aliança País (Pátria Altiva y Soberana), para a qual depois virou as costas. Declarava-se cristão e ficou dez anos no poder. Hoje, está foragido, condenado pela Justiça a oito anos de prisão.
Era estudado e foi competente
Por que governantes que despertam tanta confiança e fazem muita propaganda positiva de si próprios um dia chegam a esta situação?
Por que no segundo ano de mandato já há governadores na mira do impeachment e o presidente Jair Bolsonaro deixa de fazer um montão de coisas alegando que se fizer será impichado?
Desde que Dilma caiu pedalando, não há governante ou prefeito, do Oiapoque ao Chuí, livre da ameaça de um processo de impeachment.
Basta insinuar que alguém é corrupto e gosta de dinheiro vivo que o tribunal sumário já move a inquisição via internet, que não requer provas. Evita-se que depois de dez anos um presidente amado pelo povo, como Correa, venha a ser caçado pela polícia.
Impichar antes que se corrompa é uma ação preventiva. Cassar o governador Witzel no Rio de Janeiro evita que vire um novo Sérgio Cabral ou Pezão.
Embrapa, que tal semear democracia?
O fantasma que ameaça Witzel, o prefeito Crivella e tantos outros honestos cristãos eleitos, vai assombrar também os futuros prefeitos, vindos sem corpo a corpo, exibidos num concurso virtual de Miss Cidade via memes.
Onde há oito candidatos a prefeito, as cartas estão marcadas: haverá em poucos meses um ditador municipal que não dará a mínima para a Lei Orgânica e em dois anos sete candidatos a deputados. Tem sido sempre assim.
Desde 1988 a Constituição Cidadã é golpeada. Prefeitos não cumprem leis orgânicas, governadores são vices-reis em seus estados e o presidente manda como nunca antes neste país, mas não muda nada de fato com medo de ser impichado.
Sólida e respeitável instituição brasileira, a Embrapa ouviu dizer que era impossível plantar soja na Amazônia. Foi lá, estudou a terra, plantou e deu. Agora, anuncia que o melindroso trigo também vai vingar em qualquer lugar. Até a Coreia do Norte está ávida para levar essa tecnologia democrática às suas terras inóspitas.
Que tal, Embrapa, arranjar um jeito de fazer a democracia finalmente vingar em todo o território nacional, como a soja e o trigo? Aproveita e vai impichando alguns inços aqui e ali.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br