O Ministério das Inseguranças
Alceu A. Sperança
O mendigo, o faminto e o doente miserável não saem em capas de revistas. São muito desagradáveis (nasty, costuma dizer Mr. Trump).
Em capas, funciona melhor um magnata ensinando cinco hábitos que vão lhe garantir a prosperidade (trabalhar duro, óbvio, é o primeiro costume recomendado).
Talvez a imagem de um novo sanduba com nome engraçadinho e três andares de cânceres. Melhor: a cura instantânea do novo fármaco de nosso generoso patrocinador, o primeiro bilhão de doses oferecido a preço promocional aos governos amissócios.
A lacradora sentença de Bismarck de que "nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma caçada"talvez merecesse um adendo.
Mentem muito mais e continuamente em três assuntos que são os campeões no rol das engabelações eleitorais: segurança, educação e saúde.
O Brasil seria um paraíso se tudo o que prometeram os eleitos desde 22 de agosto de 1532, data da primeira eleição nesta valerosa nação, fosse cumprido em cada um desses quesitos.
Viva o Déficit Zero!
Mas não há de ser nada: vêm aí duas campanhas eleitorais simultâneas. A presidencial começou pelo desmonte do Circo Déficit Zero do ministro Paulo Imposto Ipiranga Guedes.
A municipal, já com aval do TSE, rola com cada candidato a prefeito e a vereador atochando nos bestuntos dos eleitores aquelas velhas promessas de mais segurança, melhor educação e boa saúde.
Sem as carências, o que prometeriam? Falta tudo. Conta-se que nos tempos gloriosos o ministro da Justiça brasileiro, Armando Falcão, muito dado a cometer injustiças, gargalhou ao ouvir dizer que a Bolívia tem Ministério da Marinha, não tendo mar. Aí alguém o lembrou de que no Brasil não havia Justiça...
Por falar em ministério, o da Segurança foi descartado à espera de ser novamente criado já ou em alguma próxima campanha eleitoral.
Nas sombras sigilosas da inteligência, já se pode senti-lo desenhado nos palácios como guardas municipais ampliadas e seguratarias estaduais bombadas.
Minha parte em grana
Prometer segurança, educação e saúde só não dá mais ibope que auxílio emergencial e bolsa família, porque em matéria de promessa o povaréu prefere a parte dele em dinheiro.
Em troca, vota maciçamente nos populistas, tradição iniciada quando o imperador Pedro II, em 1877, prometeu acabar com a seca no Nordeste nem que precisasse vender todas as joias da coroa.
Votam ansiando por uma segurança que piora à medida que o medo aumenta. Votam em saúde por saber que rezas ajudam mas na hora da dor tem morfina no PAC. E que a educação tem futuro: um dia um índio descerá de uma estrela colorida e com bons modos dirá algo gentil a respeito do fracasso acumulado desde a expulsão dos jesuítas.
Gentileza gera gentileza, mas muito remédio não produz boa saúde nem haver no mundo mais riquezas do que já se produziu em 350 mil anos gera segurança, educação e saúde para os invisíveis. Alguns até ficam visíveis e reclamam, mas para eles sempre haverá um novo ciclo da borracha em forma de cassetete.
Santa Covid!
O desagradável é melhor ignorar. É de mau gosto dizer no horário nobre ou na frente das crianças que a mendicância, a fome e a doença já venciam todos os governos bem antes da pandemia.
Ah, santa Covid, essa abençoada! Serviu de desculpa para muitos incompetentes e tirou de foco o fato de que todas as crenças, planos, promessas, sistemas de governo e utopias dos últimos 350 mil anos nos conduziram a este ponto: o triunfo das inseguranças.
Só que viver sem medo, sem fome e com saúde deveria ser o estado natural e legal de todo ser humano.
É muito pessimismo pensar que toda a cultura conhecida só foi capaz de trazer inseguranças à humanidade: a que vem do medo (serei atacado ou roubado?), a do alimento (ausente, envenenado, agrotoxicado, alergênico?) ou sobre a higidez (esta coceira é sinal de Covid ou de pulga?).
Pausa para o noticiário
Interrompemos este comentário nasty e pessimista para um minuto de noticiário otimista: de joelhos, em posição fetal ou de mãos postas, concentre-se no mantra desejado rogando que a notícia a seguir seja entendida corretamente pelos sábios analistas dos canais pagos.
No ano passado, o presidente Donald Trump quis comprar a Groenlândia, mas a Dinamarca rejeitou a oferta. Agora se soube que as geleiras da Grô, para os íntimos, encolheram a um ponto irreversível, por conta do degelo.
Se a coisa não parar, as cidades costeiras serão inundadas. Aí você pergunta: por que comprar uma pedra de gelo que derrete e vai aguar o uísque?
Desde que o homo sapiens pensou, nada deu conta de fazer com que as promessas dos geniais líderes eleitos e autoproclamados virassem realidade no tocante a isso daí: segurança, educação e saúde. Medos, carências e inseguranças dão votos e, com eles, mais poder a quem já o tem.
Se Mr. Trump ou a Dinamarca adiarem o derretimento das geleiras haverá tempo suficiente para ao menos uma das crenças, sistemas políticos ou utopias produzir enfim aquilo que nunca deram conta: felicidade e eficiência.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br