Sistema Federativo e Pacto Federativo
Paulo Roberto Hapner
O Sistema Tributário Nacional se encontra regulamentado na Constituição Federal que, em última análise, é a primeira fonte jurídica da imposição.
O cidadão passa a ser visto como contribuinte e passa a ser disputado pelas três competências fiscais: União, Estados e Municípios.
Apenas depois da Segunda Guerra Mundial, durante os trabalhos da Constituinte de 1946, se procurou unificar, ou melhor, se disciplinou uniformemente, em todo o país, as regras gerais da tributação.
É de sabença vetusta que o milagre da unidade nacional foi a herança maior que a Monarquia legou à República brasileira. E demorou mais de cinquenta anos para que se tentassem corrigir os defeitos da primeira Constituição Federal (24 de fevereiro de 1891)
Aliás, foi contra esse comando unitário próprio da Monarquia que se instituiu a República, visando conferir autonomia às Províncias que a partir de então seriam chamadas de Estados Federados.
No início da vida republicana (1889) o interesse da unidade nacional, a segurança e a comodidade dos contribuintes e a eficiência da administração clamavam por uma codificação que municiasse os Estados com recursos necessários e suficientes para sua manutenção, pois, anteriormente, quase tudo era suprido pelo poder centralizado nas mãos do Imperador e de seu Gabinete (liberal ou conservador).
Naquele período, do mesmo modo que hoje, a tesão dos espíritos e dos corações, traziam a instabilidade dos ventos que sopram dos quatro cantos do céu.
O ideal seria que esses assuntos fossem meditados, discutidos e promulgados em momentos mais tranquilos, nos momentos de inspiração jurídica, quando se busca com a maior serenidade encontrar as melhores soluções para os destinos do País.
Na codificação desse tema o legislador deve ter a cabeça fria, fora da atmosfera emocional e livre das crises econômicas, de desemprego e dívida fiscal exagerada que pesa sobre o Estado e contamina todos os órgãos de deliberação política.
Portanto, os tempos em que vivemos, logicamente, não se mostra adequado para uma perfeita revisão, porque as deformações tributárias atingem profundamente vários setores do mundo financeiro e fiscal da nação. Mas alguma coisa precisa ser feita, haja vista a tormenta que cada vez mais se aproxima.
Obra de tal envergadura não pode ser feita por neófitos, contudo, deve ser feita de forma democrática, com a eleição de um congresso para tal finalidade. Caberá ao povo a escolha dos seus representantes.
Ao se debruçar sobre o assunto, vemos que cada uma das pessoas de direito público interno para exercício de suas atividades necessita obter recursos necessários ao desempenho de suas atribuições. E também como empregar esses mesmos recursos.
A matéria é complexa porque interfere no campo dos tributos, do orçamento, das despesas públicas e até na circulação da moeda.
Nessas condições, as opiniões e os palpites que são dados nos botequins e nas rodas de chimarrão ou na sauna, merecem recebidos com reserva, embora possam ter algum fundamento.
Atualmente, em notória época de crise econômica, Estados e Município contendem com o Governo Federal pela divisão do dinheiro dos impostos. Dentro do sistema atual é normal que isso ocorra, porém, essa disputa poderia ser amenizada desde que se estabelecesse nova ordem de arrecadação, participação e distribuição dos tributos.
As fontes de arrecadação e as competências: quem faz o que e com que dinheiro?
Assume preponderância na atualidade os temas sobre ICMS, guerra fiscal instaurada com a Lei Kandir, o aumento dos gastos e a diminuição dos investimentos, Previdência Social, Dívida Fiscal, Produto Interno Bruto, Carga Tributária excessiva, etc.
A mesma crise econômica que afeta as famílias e as obriga a administrar seus orçamentos para não gastar mais do que ganham, também vincula o Estado Brasileiro.
As pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados e Municípios) também precisam equilibrar suas contas e orçamentos.
Algumas já se encontram no vermelho, quando as dívidas superam a arrecadação. Não tem de onde tirar os recursos e, desse modo, se endividam e comprometem as futuras arrecadações.
Alguns gastos obrigatórios, como pagamentos de salários e investimentos em saúde e educação, cujos percentuais constam da própria Carta Magna, estão correndo risco. A reclamação é comum a todos os governantes.
Diante disso, surge o Governo Federal sugerindo a criação de novos tributos (taxas, impostos ou contribuições) e os Estados e Municípios pedindo mudanças na maneira como são distribuídos os recursos arrecadados pela União.
É a discussão do pacto federativo em sua última análise.
A grosso modo, as principais fontes de receita dos Estados são o IPVA e o ICMS; dos Municípios o IPTU e o ISSQN; e para a União sobram o Imposto de Renda e o IPI.
De toda a arrecadação feita pela União, 24% destina-se aos Estados e 18% aos Municípios, conforme estabelecido nos chamados Fundos, como os de Participação dos Estados e Municípios e os de Desenvolvimento Regional do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Esse atrelamento ocasiona algumas distorções, porquanto, em tempos de crise, quando cai a arrecadação geral, obviamente, todas as demais sofrem decréscimo, mesmo que o Estado ou o Município não sofram os efeitos da crise.
As obrigações constitucionais dos Municípios e Estados ficam prejudicadas e a população sente o impacto desse prejuízo.
Uma das obrigações na área da educação, para a União é aplicar 18% da receita dos impostos nesta área. Aos Estados e Municípios cumpre acomodar 25% de seus orçamentos.
Quanto à saúde, a União é responsável pelos custos do SUS e aos Estados cabe aplicar 12% e os Municípios 15% de tudo o que arrecadam, no mínimo.
Nesta área, certamente, os Municípios estão sofrendo a maior distorção, uma vez que existe um forte desequilíbrio nos gastos com a saúde e, em última análise, cabe a eles suportar a maior carga desse setor.
Nessas duas áreas, fundamentais para o administrador, quase todos os Prefeitos reclamam maior participação da União e dos Estados, uma vez que estão gastando muito mais do que a previsão constitucional.
Ademais, em média, a folha de pagamento de salários responde por mais de 50% da arrecadação dos Municípios e também dos Estados, o que demonstra que remanesce apenas um percentual de aproximadamente 10% (dez por cento) para investimentos e obras.
Em suma, por força da Constituição Federal, todos os governos estão engessados, de um lado, pelo orçamento, e de outro, pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A margem para utilização com liberdade administrativa, gerada pela conveniência e oportunidade, não passa de 10% da arrecadação.
Por isso os Estados e Municípios cobram mais participação da União. E porque agem assim?
Isso é fruto daquela distorção mencionada no início, na medida em que a União assume o papel de principal arrecadador de impostos (é o dono do caixa ou do cofre) e, desse modo, cumpre distribuir, fiscalizar e também executar o orçamento.
Fiscaliza a si próprio e resguarda para os seus cofres a maior cota, deixando para os Estados e Municípios as migalhas remanescentes.
Quem quiser mais dinheiro que venha de pires na mão beijar a mão do príncipe. Daí as consequências político eleitorais que todos conhecem.
Desde que fosse respeitado o pacto federativo, a ser urgentemente revisto, cabe aos Estados a arrecadação dos tributos, ficando estes obrigados a encaminhar à União os percentuais que cabem a ela.
E assim deve ser porque a União possui um instrumento legal de cumprimento dessa obrigação que é a intervenção federal. Os Estados não podem intervir na União, porém, esta tem o poder constitucional para fazer cumprir aquela obrigação.
Logo, afigura-se incoerente a legislação federal estabelecer normas punitivas aos Estados e Municípios pelo descumprimento de deveres que competem a todos os entes federados.
O Sistema Único de Saúde e agora o Sistema Único de Segurança são paliativos que apenas agigantam o poder da União e desmerecem os Estados que formam a Federação. Não precisamos trazer o exemplo dos Estados Unidos da América, porque até mesmo o sistema argentino serve para demonstrar que as Províncias dispõem de mais autonomia que um Estado Federado Brasileiro.
Ademais disso, dentro de suas competências acabam os Estados e Municípios criando figuras tributárias próprias que muito pouco diferem daquelas impostas pela União.
A base da tributação é sempre um fator econômico (fato gerador) e já não existem mais outros fatores econômicos no Brasil para servir de base à tributação. Só falta tributar o ar que se respira.
Em consequência, aumentam-se as alíquotas ou ajusta-se a base de cálculo, como acontece com o IPTU (Revisão do Cadastro Imobiliário) ou se deixa flexível as tabelas do Imposto de Renda ou do IPI.
Alguns tributos parecem ter base de cálculo indefinida, já que sua variação e flexibilidade pode decorrer da inflação ou do mercado, ou até mesmo do reajuste salarial. Outros, embora tecnicamente explicáveis, como o IPVA e o licenciamento de veículo automotor, afigura-se ao homem comum como farinha do mesmo saco. Possuem o mesmo fato gerador.
E o que falar dos impostos de incidência em cascata, cobrados a esmo, sem a menor atenção para os problemas do custo da produção.
Como exemplo temos a tributação do ovo e várias fases, desde a postura, incubação, nascimento do pintinho de um dia, entradas e saída da granja (aviário), chegada e saída do frigorífico e venda para o consumidor. Faça-se o cálculo dessas incidências e de suas compensações nas subsequentes e verifique-se qual o percentual que incide para o consumidor, que deveria ser o verdadeiro contribuinte. Nas etapas intermediárias outros contribuintes aparecem, desde o produtor do ovo, o granjeiro, o frigorífico e a mercearia, sem que sejam creditados os valores cobrados na intercorrência comercial.
Por essa razão, a repetição tributária e o excesso de impostos representam um mal que inibe a economia. Na minha opinião, a supressão de alguns impostos e taxas é desejável e sua eliminação favoreceria a atividade econômica, com evidente compensação diante do aumento do volume tributável.
Como conclusão, acredito que a fase progressista de nosso País necessita de maior segurança e lucratividade ao produtor que, para êxito em seus negócios deve ter apoio governamental e conhecimento de que a cobrança de tributos deve estar apoiada, parcimoniosamente, na renda distribuída e não, de modo antieconômico, sobre a formação do produto interno bruto nacional.
Na minha vida profissional sempre ouvi que o produto da sonegação suprime o bem estar do povo. Para outros, porém, o dinheiro sonegado não vai para baixo do colchão e, portanto, ingressa no meio circulante e ajuda a girar a economia.
Nessas condições, caro Toninho, entendo que o sistema tributário deve repousar em dois pilares indispensáveis: imposto de renda e ICMS.
Em lugar de outros penduricalhos de arrecadação ou da multiplicidade de impostos, bastariam esses dois para bancar a máquina estatal, esse paquiderme que cada vez precisa de mais ração para sua sobrevivência.
No regime federativo, o imposto de renda é o esteio da arrecadação e, atualmente, abrange número expressivo de contribuintes, com pouquíssima evasão, embora ela exista.
Logicamente, aumentando a renda nacional, a arrecadação desse tributo crescerá na mesma proporção.
Os impostos de importação e exportação, bem como o IPI, devem ser considerados pela sua real importância na formação do bolo tributário.
Outro problema que precisa ser enfrentado é o da localização ou concentração da formação do produto nacional na região Sul e Sudeste do País, uma vez que as maiores empresas estão nelas sediadas.
Assim, não pode prevalecer exclusivamente o critério de distribuição da receita conforme a localização da fonte arrecadadora, para que não se deixasse de aquinhoar os entes federados de outras regiões que também precisam de assistência governamental.
Diante desse problema, afigura-se conveniente a manutenção dos Fundos que assistem o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste, a fim de que se equilibre a distribuição da receita, a fim de que o País possa cumprir suas obrigações mínimas de saúde, educação, transporte, segurança, etc.
Do contrário, movimentos esparsos de subdivisão territorial aparecem com forte apoio popular, todos em decorrência dessa distorção que a todos incomoda.
Concluindo esta rápida digressão em torno do tema, acredito que o carnaval tributário existente e os remendos que têm sido introduzidos acabaram criando um monstrengo difícil de tratar.
Cada vez que se pretende uma solução, cria-se um problema. É aquela do cobertor curto: ou cobre a cabeça ou os pés. Portanto, sem uma profunda análise do pacto federativo, com maior autonomia dos Estados, não se pode reformar o sistema tributário.
Antes da reforma do sistema tributário, há que se consolidar uma significativa reformulação do pacto federativo, onde os Estados tenham capacidade de suprir suas necessidades, sem necessidade de sustentar a máquina administrativa da União, cada vez mais agigantada.
Entretanto, cabe ao povo na sua manifestação soberana escolher aqueles que poderão trazer soluções para os nossos netos.
Como dizia meu professor, "se a democracia fosse tão boa, a Grécia seria o melhor pais do mundo".
Paulo Roberto Hapner é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Paraná