Jornalistas e especialistas criticam censura e minimizam as fake news
Jornalistas e especialistas criticaram a "censura da toga" e sugeriram menos intervenção do Judiciário no combate às fake news durante o seminário "30 Anos sem Censura: A Constituição de 1988 e a Liberdade de Imprensa", realizado ontem no STF (Supremo Tribunal Federal) e que tratou de temas como a liberdade de expressão e de imprensa, novas e velhas formas de censura e notícias falsas disseminadas pela internet.
"Sem a imprensa livre a Justiça não funciona bem, o Estado não funciona bem", reconheceu a ministra Cármen Lúcia, principal estrela entre os convidados para o debate, que versou em boa medida sobre a censura à jornalista Elvira Lobato, que respondeu a uma série de ações ajuizadas ao mesmo tempo por fiéis da Igreja Universal em diferentes partes do Brasil, alegando terem sido ofendidos por uma reportagem assinada por ela.
À época, ela era repórter da Folha de S. Paulo e teve que viajar pelo país para comparecer a dezenas de audiências judiciais, todas vencidas por ela.
"Essa ?censura da toga? talvez seja hoje o maior tormento de quem trabalha em redação", disse o jornalista da Record Domingos Meirelles, representante da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) no evento.
No mesmo sentido, o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que é jornalista e advogado, se queixou das altas indenizações cobradas de repórteres por figuras e autoridades públicas que dizem ter sido alvo de injúria em reportagens.
"Como é que alguém que se habilitou para ser uma autoridade pública pode se declarar injuriado?", questionou. Para ele, os jornalistas deveriam gozar das mesmas imunidades que os advogados quando exercem a defesa de seus clientes -ser imunes a processos por suposta injúria.
QUEBRA DE SIGILO
Outro caso lembrado durante o debate foi o do repórter Allan de Abreu, do Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP). Um juiz chegou a quebrar o sigilo telefônico dele e do jornal para descobrir as fontes de suas reportagens - medida depois revertida pelo Supremo.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia, afirmou que a garantia do sigilo da fonte é imprescindível para o jornalismo investigativo. "Para os males da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, mais liberdade de imprensa e de expressão se impõe", disse.
FAKE NEWS
Prevaleceu também entre os jornalistas que participaram do evento o entendimento de que as fake news devem ser combatidas com o esclarecimento dos leitores e com o exercício do jornalismo profissional, sob pena de os juízes, se entrarem numa cruzada, reinstalarem a censura ou tirarem do ar conteúdos que têm veracidade.
"Eu acho que a Justiça deveria esquecer esse assunto [de fake news]. O risco de tirar uma notícia verdadeira é muito grande. A censura é ruim, e a judicial, togada, é muito pior", disse o jornalista e advogado Miguel Matos.
Para ele, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que tem criado mecanismos para combater notícias falsas nas eleições, deveria se ater apenas à fiscalização das contas dos candidatos -um caminho, segundo ele, para punir quem tiver disseminado fake news, uma vez que elas têm custo para serem produzidas.
Já o pesquisador Fabro Steibel, que estuda fake news e os "bots", robôs que as espalham, disse que o TSE pode criar mecanismos de participação dos eleitores para denunciar conteúdos supostamente falsos - criando, por exemplo, um botão de denúncia nos sites que se comunique diretamente com a corte.
"Talvez as fake news prosperem porque alguém te diz aquilo que você quer ouvir", observou Cármen Lúcia no encerramento seminário.