Os três poderes da República
J. J. Duran
Seria mediocridade não reconhecer que hoje a República está dividida politicamente em duas frações historicamente antagônicas e que o governo do presidente Jair Bolsonaro é o que tem de mais representativo do pensamento ideológico da direita nacionalista e conservadora, sustentada em uma onda evangelizadora que se contrapõe às religiões debilitadas pelo modernismo e por novas conceituações de moralidade que buscam fragilizar a Bíblia Sagrada como código universal e irretocável do bem.
Os discursos toscos, porém impregnados de autenticidade, que pronuncia o presidente chegam a representar, para seus desafetos, um aviso autoritário que ameaça a democracia, mas há que se fazer uma análise imparcial desse comportamento, que tem levado o Mito a momentos de verdadeira embriaguez idolátrica por parte de seus apoiadores mais leais.
A imensa maioria desses minúsculos grupos que tiram fotos cotidianamente com o presidente e gritam consignas próprias da extinta era Mussolini são, na realidade, parte da claque que, por razões de dependência do governo, vão expressar ao Mito sua irrestrita adesão. Mas, como dizia o general Domingo Peron desde os balcões da antiga Casa Rosada, "esses gritos de apoio são como um copo de vinho depois de um bom almoço e antes de um longo cochilar".
Os ataques verbais neste tempo pandêmico são pequenos momentos de exaltação messiânica que Bolsonaro promove para gosto da sua claque, que deve saber que a República se fundamenta em três poderes republicanos, ao mesmo tempo iguais e separados por uma mesma Carta Magna.
Uma vez quebrada a substância ética que deve existir em toda palavra, todo gesto e todo recado governamental, o léxico perde a serena magnitude da sua expressão civilizada e sinaliza para a decadência da figura representativa do poder.
Como bem escreveu Tancredo Neves naquele que deveria ter sido seu discurso de posse, "quando um povo escolhe o chefe de Estado não elege o mais sábio de seus compatriotas", mas ao eleger, com seu voto, o presidente da República, "expressa a confiança de que ele saberá conduzi-la na busca do bem comum". (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/AGBR)
J. J. Duran é jornalista, membro da Academia Cascavelense de Letras e Cidadão Honorário do Paraná