Dois momentos, dois Mitos
J. J. Duran
A economia é uma aposta incerta neste momento em que a pandemia da Covid-19 desnuda as deficiências da saúde pública por inteiro e expõe os meandros de uma espécie de bordel em que se transformou a política e a desesperança em torno do que irá sobrar do mercado laboral no tempo pós-crise.
Em meio a este cenário, em que a oposição assume um papel deplorável, Jair Bolsonaro age em contradição com o que apregoou durante a campanha eleitoral, quando foi democraticamente ungido presidente.
O Mito candidato de toscas mensagens, porém com clarificada defesa de seus pensamentos sociopolíticos, prometia um novo tempo, no qual não haveria mais espaço para conchavos políticos. Seria, segundo apregoava, o fim do dar para receber, principal característica do balcão de negócios em que a política nacional foi transformada há muitos anos.
Uma vez eleito, no entanto, sem muito tardar foi acometido do esquecimento do discurso e da retomada da prática de antecessores que se deixaram virar reféns da parte mais turva do Congresso a partir da constatação de que seu futuro na Presidência começava a correr riscos.
O acordo com o chamado Centrão, que mancha a lealdade de pensamento do ex-capitão com boa parcela de seu eleitorado, é mais uma mostra inequívoca de que na política nada é definitivo, pois sepultou a defesa da nova política e trouxe de volta o banquete na mesa dos habituais frequentadores das mamatas do poder.
A verdadeira história da política indo-americana, e da brasileira em especial, mostra que fidelidade, ideologia e ética são vocábulos excluídos do dicionário da grande maioria dos homens públicos.
As duvidosas biografias que já ocupam cargos de segundo escalão apenas na teoria, pois possuem poder decisório maior até do que determinados ministérios, são a marca indelével da mudança comportamental do Mito, que para não ter que enfrentar duras batalhas, preferiu abdicar da sua formação político-militar e do compromisso assumido solenemente com seu eleitorado.
O político tosco que trocou o chamado baixo clero do Congresso para assumir a Presidência deve ter compreendido, contra sua vontade, que sem dar, nada se recebe. Como dizia John F. Kennedy, "a matemática domina muitas vezes a verdade, desturva intenções e modifica o rumo de um país". (Foto: Marcelo Camargo/AGBR)
J. J. Duran é jornalista, membro da Academia Cascavelense de Letras e Cidadão Honorário do Paraná