A namorada, um rio e dois marechais
Alceu A. Sperança
O coronel Belarmino Augusto de Mendonça Lobo, pai da bela Isolina, chama para seu QG em Guarapuava o mais jovem entre os oficiais sob seu comando. O segundo-tenente José Joaquim Firmino recebe como presente de 24º aniversário a espinhosa missão de abrir a foice, machado e serra, com o apoio de facões e enxadas, uma trilha até o Rio Paraná com três metros de largura. Estamos em novembro de 1888.
São 60 léguas (354 km) a desbravar em sertão desconhecido. Os oficiais mais velhos duvidam da capacidade de Firmino para enfrentar o desafio porque não sabem que ele é casca grossa. Pernambucano de Goiana, nascido em 1864, com 17 anos já estava no Exército e aos 20 era segundo-tenente.
Aos 24, recebia a missão que o inscreveria na história: não só chegou ao Rio Paraná, em julho de 1889, como alertou ao Brasil que a região era explorada por ervateiros argentinos havia pelo menos duas décadas. Quando a expedição chegou ao Rio Paraná, achou uma pequena multidão vivendo na fronteira: 35 localidades habitadas por 324 pessoas, a maioria estrangeiros.
Combatendo no Tuiuti
A expedição de Firmino atravessou vários rios e riachos que no passado tiveram nomes indígenas perdidos no tempo e jamais marcados em mapas. A um, deu o nome de "Isolina", a filha do coronel Belarmino. A namorada Isolina, que virou esposa de Firmino, não deu nome só ao rio, mas também à serra.
O sogro e comandante deu nome a um rio que ao se juntar ao rio da filha formará o Rio Guarani, afluente do Iguaçu. Missão cumprida, o namorado de Isolina passou à história e virou o século no posto de major.
O coronel Belarmino, nascido em 1850 na região cafeeira de Barra Mansa (RJ), passou à história pela conquista do Oeste e por muito mais. Jovem, foi um dos Voluntários da Pátria que participou da batalha do Tuiuti, na Guerra do Paraguai, em 1867. Também presente nos combates de Curuzu, Curupaiti, Itororó, Avaí e ferido gravemente em Lomas Valentinas, pulou do leito hospitalar e voltou a combater.
Drible no médico
Em 1891, Belarmino foi deputado federal constituinte pelo Paraná. Comandou, entre 1898 e 1899, a Brigada Policial da Capital Federal, hoje Polícia Militar do Rio de Janeiro. Se tudo isso ainda parecer pouco, basta saber que Belarmino foi também um dos responsáveis por um Brasil maior, sempre arriscando a vida.
Com a disputa territorial com o Peru, em 1904 foram criadas duas expedições gêmeas: a do Rio Juruá ficou sob o comando de Belarmino e a do Rio Purus com o escritor Euclides da Cunha (Os Sertões). O médico do então coronel Belarmino de Mendonça proibiu sua viagem ao Juruá, considerando-a um suicídio: sofria os efeitos de uma tuberculose agravada pela malária contraída na demarcação dos limites Brasil-Argentina, outra missão que desempenhou no Paraná.
Belarmino driblou a proibição incluindo na expedição o filho médico, irmão de Isolina, para lhe dar assistência na viagem. Relutante, a família concordou, mas para surpresa geral o convalescente Belarmino resistiu e foi o filho médico a vítima da perigosa viagem: contraiu beribéri e se obrigou a abandonar a missão.
Os dois marechais
Belarmino e Euclides da Cunha forneceram ao Barão do Rio Branco elementos preciosos para sustentar suas demandas nos fóruns internacionais e da expedição pelo Rio Juruá veio a conquista do território do Acre para o Brasil.
Belarmino voltou da Amazônia em 1906 promovido a general-de-brigada. General-de-divisão em 1911, é ministro do Supremo Tribunal Militar em 1912, quando a saúde não o deixa mais combater. No posto de marechal, morre em maio de 1913.
Por sua vez, o genro Firmino, engenheiro militar e bacharel em Matemática e Ciências Físicas e Naturais, serviu como chefe do Estado Maior em varias regiões militares e foi professor de topografia da antiga Escola Militar da Praia Vermelha e de Direito da Escola do Estado Maior do Exército.
Comandou a Academia Militar de Agulhas Negras de agosto de 1922 a janeiro de 1923. Reformado como marechal, Firmino morreu em Vichy (França), em outubro de 1927.
Feminista no século XIX
Isolina, a filha de Belarmino e namorada de Firmino, é uma precursora do movimento feminista no Paraná. A Constituição republicana de 1891, de cuja elaboração seu pai fez parte, assegurava o voto a todos os cidadãos maiores de 21 anos, mas, maliciosamente, o termo "cidadãos"foi interpretado como referente só aos homens.
A exclusão das mulheres motivou intensa campanha pelo voto feminino. Em 1896, nos EUA, elas já podiam votar no Estado de Idaho. Nessa época, no Brasil, Isolina de Mendonça Firmino criava em União da Vitória uma entidade para apoiar suas lutas.
Era o Grêmio Recreativo Familiar. Ela não só criou a entidade como também assumiu a presidência, numa época em que só homens governavam. O rancor machista se acovardou diante da filha de um coronel heroico e esposa de um engenheiro militar cuja casca grossa afugentou os eventuais críticos da presença de uma atrevida mulher à frente de uma entidade.
Isolina, apaixonada pela nova filosofia, também comandou uma loja teosófica em Salvador (BA), onde o marido cumpriu missão militar. Em tempos de cólera e ódios, esta é uma história de amor, família e namorados. Para sempre: o pai e o marido de Isolina, marechais, entraram para a história do Brasil e ela é um rio do Oeste paranaense.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br