Com 7,7 bilhões de sábios, cura garantida
Alceu A. Sperança
- A Grécia tinha sete sábios. No Brasil, só sete é que não o são.
Frases como essa, Mariano José Pereira da Fonseca (1773-1848), o Marquês de Maricá, certamente um sábio, escreveu às centenas. Hoje, talvez dissesse que o mundo tem 7,7 bilhões de sábios.
Antes que a internet saísse dos paióis militares e se esparramasse pelo globo, desde os fins do segundo milênio, eram raros os especialistas em climatologia e epidemiologia.
Na atualidade, por onde você vai acha gente escalando a Seleção Brasileira melhor que Tite, teorizando sobre aquecimento global com a maior das certezas, achando origens para a Covid-19 e receitando curas definitivas como os mais categorizados médicos. A sabedoria, afinal, está ao alcance dos motores de busca.
Seria interessante indagar aos atuais 7,7 bilhões de especialistas em tudo quem foram os sete sábios da Grécia. Todos, é claro, conhecem sete sábios e os citarão de cor como quem recita a escalação do Coritiba na vitória sobre o Bangu, no Maracanã, em 1985: Rafael... tinha o Lela, pai do Richarlyson...
Haters odeiam Acusilau
Os sete sábios eram no mínimo 22, dependendo da escalação de cada um: em certas listas entram Sólon e Pitágoras, mas ficam de fora Acusilau e Míson, o primeiro por conter uma palavrinha chula no nome, o outro por suspeita de ser misógino ou mínion.
Qualquer coisa que você faça, até ganhar um Prêmio Nobel, virá um hater para xingar o vencedor e dizer que não merece. Se o vencedor for besta, vai bater boca com o hater e aí, também com raiva, até devolverá o prêmio à Academia Sueca.
Se no mundo há 7,7 bilhões de sábios e especialistas em tudo, no Brasil deve haver, por baixo, uns 207 milhões, já que algumas crianças ainda não se descobriram sábias. Difícil não terem na ponta da língua curas para gripe, chulé e caspa, agora já em vias de patentear as curas para a dengue e a Covid, da primeira à décima-nona.
Nona? Vovó dizia que chá de alho, limonada e polenta resolvem tudo. Talvez não receitasse o mesmo para a Covid-19, temendo quebrar algum protocolo do Ministério da Saúde, mas diria na lata de qualquer ministro: "O que não mata, engorda".
Feijões mágicos
As avós dos índios da Amazônia têm receitas para o novo (já quase velho, tanto que falam nele) coronavírus. É batata que algum grande laboratório transnacional vai patentear pelo menos o nome de um dos produtos da biodiversidade da floresta apontados pelas vovós indígenas como tiro e queda: a saracuramirá, que a exemplo da cloroquina é usada no tratamento da malária.
Sarar e curar ao mesmo tempo é algo que nenhuma outra planta mais lhe dá, diria um comercial do produto se já estivesse dando dinheiro aos propagandistas. Imagine um leiaute hipnótico e o slogan: - Sara e Cura, mirou?
Fora dos fármacos, a magia está no ar. Como sempre, há farsantes ganhando dinheiro vendendo feijão mágico e lugares no céu. Curiosamente, muitos que passaram os últimos vinte anos clamando por um "Estado mínimo"gora querem um "Estado máximo"para resolver com passes de mágica e dinheiro inexistente o cerco ao vírus. É magia demais para surgir do nada.
O fim do mundo
Muitos evitavam vacinas. Os zaps de titia diziam que são instrumentos do governo para matar velhinhos e crianças. De súbito, num misto de Malthus com Herodes, as tias agora receitam a cloroquina, achando que cura até gota. Mas só o revolucionário Sara e Cura, Mirou?, lhe dá o que a floresta tem! A propaganda na TV ainda convence mais que os zaps familiares? A checar.
Quando a passagem do Cometa de Halley foi anunciada, em 1909, não havia nem zaps nem TV. O Paraná sofria os rigores de uma extrema seca. Ela liquidou as lavouras, baixou o nível dos rios e deixou as Cataratas em fios de água.
Foi a terrível "seca dos taquarais". Pregadores bradavam que era o fim do mundo: depois da praga da seca viriam as pestes trazidas pelo Cometa de Halley, em maio de 1910. O mundo era o puro Egito das sete pragas.
O alarde sensacionalista em torno da próxima passagem do Cometa de Halley se completava pela orientação de certos religiosos de que o fim do mundo não veio no fim do século, em 1900, porque no caso de profecias é normal atrasarem dez anos.
Máscara milagrosa, só aqui!
Para reforçar a propaganda dos catastrofistas, com a estiagem vieram vastos incêndios. E muita penúria, sem auxílio emergencial nem Estado máximo - o Estado era tão mínimo que nem havia SUS, imagine! Aí um bando de empreendedores saiu pelo interior mascateando um produto milagroso.
Os espertalhões espalharam o boato de que a cauda do cometa era venenosa e que ao passar pela Terra iria matar pessoas e animais. Essas mesmas máscaras que você usa hoje ao sair de casa eram anunciadas como a única proteção segura contra a ação destrutiva do cometa.
Alguns malandros foram para a cadeia, mas hoje venderiam aquele produto sob a proteção do Estado maximizado. Máscara na moda, recente anúncio diz que pesquisadores da Universidade de Indiana (EUA) criaram o tecido eletrocêutico, que mata o novo coronavírus. A máscara traz embutidas pequenas baterias que não dão choque com a umidade. Alguma tia provavelmente fará um chá da máscara e a anunciará estrepitosamente num zap como a cura final.
Os 7,7 bilhões de sábios não dispõem, nem de longe, de uma sabedoria única: uma parte acha que o número de mortos pela peste é sete vezes maior, outra parte garante que é sete vezes menor. Só se entendem mais ou menos bem, ainda, quanto a uma coisa: via de regra, acham que 7 é conta de mentiroso. Aliás, as Sete Quedas, na verdade, eram 19.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br