Pandemia, SUS e as estratégias de enfrentamento em Cascavel
Thiago Daross Stefanello
Não há dúvidas que após a pandemia o Sistema Único de Saúde sairá muito fortalecido. O modelo de saúde pública implantado no Brasil com garantia a universalidade, a equidade e a integralidade, amparado por um arcabouço de regionalização, hierarquização e descentralização, que vem sendo aprimorado ao longo dos últimos 30 anos, mostrou que está amadurecido. Mesmo com diversos problemas em relação às más gestões, de corrupção e de subfinanciamento, o SUS torna-se ainda mais evidente para toda sociedade e serve de exemplo para o mundo.
Nossa capilaridade, integração e profissionais de saúde altamente comprometidos que não fugiram da linha de frente naquele que talvez esteja sendo o momento mais difícil da saúde brasileira, vai muito além das filas de espera por exames, da demora para realização de cirurgias eletivas, ou da desassistência em algumas regiões. Óbvio que não é um sistema perfeito e tem sim suas falhas, mas acima de tudo isso, se mostrou rápido, consolidado e organizado. A resposta frente a pandemia da Covid-19 precisou de velocidade, articulação, exigiu que serviços de atenção primária, vigilância, urgências, tivessem que se reinventar, adaptar fluxos e rotinas, e isso tudo aconteceu de forma muito eficiente.
Diante de incertezas, de discussões políticas, da falta de um comando central mais agregador, seja nas esferas estaduais ou federal, acima de qualquer interesse financeiro, de poder, ou de futuro político, surgiram zeladoras, agentes de saúde, técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos, diversos outros profissionais dos setores da saúde que foram ao enfrentamento, que praticaram a verdadeira gestão, que renovaram normas, condutas, e acima de questões e embates para criar ou achar um protocolo único, mostraram que o Brasil tem e está amparado por um sistema de saúde altamente eficaz dentro de suas limitações financeiras.
O objetivo principal, com certeza sempre foi o de salvar o maior número possível de vidas. Muitos meios de comunicação se apegam somente ao número de óbitos de forma geral, e não há dúvida que todo óbito é uma perca irreparável, mas números precisam ser comparados, discutidos, analisados e interpretados. De uma forma geral o Brasil apresenta um número de óbitos considerado grande, pois tem uma população imensamente maior do que diversos outros países. Em número de óbitos gerais aponta em 3º lugar, mas a incidência de óbitos - o verdadeiro dado a ser analisado -, ou seja, o número de pessoas que morreram contaminadas com a Sars-CoV-2, proporcionalmente ao número de habitantes, eleva o Brasil a 49ª posição no mundo.
Saúde e economia deveriam sempre andar paralelas, pois ambas causam mortes e uma influência diretamente sobre a outra. Se somos saudáveis, com certeza vamos trabalhar mais e produzir mais para o nosso país. Se estamos desempregados, sem uma boa alimentação, ou sem um tratamento adequado, não podemos produzir aquilo que se espera, acabando por vezes, se tornando dependente de benefícios sociais do Estado. No meio de uma crise, de uma pandemia totalmente desconhecida e vorazmente avassaladora em termos de velocidade de transmissão, achar o ponto de equilíbrio é o mais difícil. É necessário não permitir a transmissão do vírus, garantir que o sistema público não entre em colapso e leve a morte não só os pacientes doentes pela Covid-19 mas também os demais que sofrem por outras patologias, e ao mesmo tempo, não permitir o colapso econômico que pode afetar a população de diversas outras maneiras, como depressão, fome, falência, surtos psicóticos, entre outras.
Em Cascavel, cidade localizada no Oeste do Paraná, com uma população de 328.454 habitantes, chegamos na data de 21/05/20 com 208 casos confirmados e 06 óbitos, ou seja, uma letalidade de 2,8%, bem abaixo da letalidade nacional de 6,4% e abaixo da letalidade do Estado do Paraná de 5% (conforme informe epidemiológica da Sesa de 21/05/2020). Para se ter uma ideia da importância disso, a letalidade na França é de 19%, na Itália e no Reino Unido é de 14% e na Espanha é de 12%. Dos 208 casos confirmados com a Covid-19 e dos 27 casos em investigação (em 21/05/20), apenas 5 pacientes encontram-se em UTI (4 confirmados e 1 em investigação), ou seja, apenas 2,1% de casos graves, e outros 17 pacientes encontram-se em enfermarias (03 confirmados e 14 em investigação), sendo então apenas 7,2% dos pacientes em estado moderado. A média nacional de casos que agravam é de 17,4% e a taxa paranaense é de 16,7% (dados do site www.covid19agora.com.br), enquanto Cascavel somando moderados e graves não chega a 10%. E muito mais importante, se formos considerar apenas os casos já confirmados, a taxa de pacientes que agravam é somente de 2,9%, talvez uma das mais baixas do País.
Ao longo dos últimos 3 anos foram implantadas novas 22 equipes de Estratégia de Saúde da Família, chegando a 49 equipes e uma cobertura de 80% de atenção básica no município, sendo a cidade brasileira que mais avançou em implantação de equipes de ESF, o que permitiu que a Secretaria pudesse agir de forma precoce, articulada e organizada. Já em 26/02/20, no mesmo dia em que foi confirmado o 1º caso da Covid-19 no Brasil, foi ativado o COE - Centro de Operações em Emergências, e no mês de março estruturas de call center entraram em funcionamento. Para evitar aglomerações, uso do transporte público sem necessidade, e a exposição dos grupos de risco, a população não acessou mais as unidades de saúde da rede de atenção primária sem antes realizar o agendamento telefônico em 100% dos casos. Outro fator fundamental para segurar o avanço da doença foi a rápida aplicação de protocolos de isolamento domiciliar, mesmo sem exames ou testes rápidos para confirmar a existência do vírus. A Sesau já colocou mais de 5 mil pessoas com sintomas respiratórios em isolamento domiciliar, evitando assim a circulação de pessoas e a possível propagação do vírus, já que por um longo período a testagem foi um grande problema, aliado a existência já confirmada de pacientes assintomáticos com o vírus, mostrando que a prudência adotada foi fundamental para evitar mais óbitos e o colapso do sistema.
Medidas de distanciamento social foram empregadas já no decorrer de março. Foi muito cedo? Quem garante? Não estaria a cidade numa situação grave nesse momento? Outros não teriam morrido? Ninguém tem a receita pronta ou fórmula exata, mas sair na frente em ações de proteção a comunidade sempre foi um dos propósitos, pois, ao restringir as atividades econômicas e escolares foi fundamental para a conscientização da população, para a preparação do sistema de saúde, para a ampliação de leitos e para a melhor estruturação de testes.
Atualmente, Cascavel tem o primeiro laboratório municipal do Estado credenciado junto ao Lacen para realização de exames RT-PCR com resultados em 24 horas, tem testes rápidos para servidores da saúde, das forças de segurança e para contatos domiciliares de pacientes positivados. O município estruturou e inaugurou 10 leitos de UTI em um hospital próprio, com aparelhos adquiridos ainda em 2019 sem necessidade de recorrer aos absurdos valores praticados por outras cidades e estados, e conseguiu até então manter um estoque razoável de equipamentos de proteção individuais pois implantou no fim de 2019 uma nova CAFI - Central de Abastecimento Farmacêutico e Insumos com mais de 3 mil metros quadrados que foi fundamental para os processos de compras e estoque. É necessário ainda, contabilizar a gestão do mesmo modo eficiente, ágil e resolutiva do Governo do Estado do Paraná que tem sido o grande exemplo do Brasil, que já criou novos 71 leitos de UTI e 131 leitos de enfermaria exclusivamente para o enfrentamento da Covid-19 somente na região de abrangência do município de Cascavel, algo jamais visto nos últimos 20 anos. Tudo isso tem permitido a retomada progressiva da atividade produtiva, o aumento da circulação de forma organizada, com cuidados redobrados, e mesmo que o Paraná como um todo, e o município de Cascavel apresentem nesse momento um aumento de casos confirmados de forma considerável, a baixa letalidade, o baixo índice de agravamento dos casos, e a taxa de ocupação de leitos hospitalares em nível de normalidade, confirmam que as medidas foram prudentes e assertivas.
Uma das primeiras cidades a criar a barreira sanitária nas entradas do município, a identificar os pacientes confirmados com pulseiras, a instituir a obrigatoriedade do uso de máscaras caseiras ou artesanais como barreira mecânica, a decretar a obrigatoriedade de comunicação de seus munícipes na saída e/ou retorno para outras cidades e/ou estados em lockdown, Cascavel é desde o início extremamente transparente com informativos completos e diários, e demonstra ao Paraná, ao Brasil e ao Mundo que é possível encaminhar medidas que visem a proteção da saúde da população e ao mesmo tempo encontre o equilíbrio com a necessidade econômica de uma das regiões mais produtivas do país. O segredo está na capacidade de ouvir, de discutir, de achar soluções com a participação efetiva de servidores, de técnicos, e ao mesmo tempo obter a colaboração da sociedade civil organizada, das associações e principalmente do comprometimento e do apoio da população.
Thiago Daross Stefanello é secretário municipal de Saúde de Cascavel