O vírus do Ipiranga e a revolução das bactérias
Alceu A. Sperança
Ouviram do Ipiranga a promessa de que o PIB do Brasil cresceria cerca de 3% em 2020. Só que em 2019 ninguém moveu um dedo para prevenir o que já estava em andamento: as bactérias promoviam uma revolução quieta, no máximo flatulenta, ganhando corações, mentes e intestinos, enquanto os odiados vírus eram ou ignorados ou combatidos com automedicação sem dosagem correta.
Relendo o radicalismo dessa introdução, brota a dúvida: será que escrevemos ou dizemos as coisas por influência de vírus e bactérias, como sai palavrão automático ao dar uma topada ou vem euforia com o gol?
Os vírus poderão nos influenciar alegando que a ditadura bacteriana é uma conspiração da extrema imprensa. Ideias esquisitas e idiotas que por vezes tomam conta de alguns cérebros podem nem ser humanas: seriam induzidas por pequenos demônios que se infiltram de várias maneiras nos corpos das gentes.
Assim, aquilo que pode parecer um disparate do governante, ministro, deputado ou colunista seria causado por um fato escabroso que os humanos não ligam: há muito mais bactérias em nossos intestinos que a soma total das células de nossos corpos. É a democracia bacteriana: sendo maioria, logo mandam em nós.
Assalto ao cérebro
Os vírus zanzando em nossa cabeça sugerem que a máquina extremista de informação das bactérias plantou na Net a informação de que a exposição ao sol melhora a microbiota intestinal. Com que objetivo, além de fazer o sol causar câncer de pele nos ingênuos humanos?
Ou será que a meta revolucionária das bactérias para dominar os assuntos humanos é saltar dos intestinos deles ao cérebro, onde darão o golpe final?
Preste atenção, insinua o estado febril virótico: as bactérias são seres diferentes dos humanos, logo são alienígenas. Mas se infiltraram de tal maneira nos organismos humanos que fazem deles zumbis. Seremos mortos-vivos comandados por elementos não-humanos?
Chega a dar raiva ver a extrema imprensa bacteriana espalhando que pessoas com depressão melhoram quando submetidas a uma dieta em que uma enorme quantidade de bactérias lhes é enfiada nos intestinos.
A atividade extremista das bactérias chegou ao requinte de inspirar uma série da BBC Future sobre elas, as santinhas angelicais que melhoram a saúde mental humana. No Canadá, pesquisa da Universidade McMaster garantiu que tratar bem as bactérias melhora a atividade cerebral.
Vontade de comer brigadeiro
Veja o requinte da extrema informação: se você as tratar bem, ela vai fazer teu cérebro funcionar melhor! Subliminarmente, a intenção é afirmar que melhorando a qualidade das bactérias no seu corpo, ele vai dar jeito até na loucura recente, causada pela crença traída nas ipiranguices governamentais.
Há pouco, mais um passo para a ditadura das bactérias foi dado: a descoberta por neurocientistas de que elas ajudam o animal hospedeiro a detectar quais nutrientes faltam na sua comida, calculam até a quantidade que precisará ingerir e até criam o apetite necessário.
Isso quer dizer que as bactérias influenciam até as vontades e escolhas dos seres humanos. Como se fossem o Grilo Falante, conselheiro de Pinóquio, sugerem vontades como devorar inteiro aquele chocolate em barra ou um hipnótico brigadeiro. Aliás, nenhuma novidade, vide vermes.
A mídia extrema a serviço das bactérias propagou também que comer nozes reforça o coração. Por quê? Porque elas aumentam a quantidade de bactérias em nosso intestino. De onde, é claro, comandarão nossos cérebros. Quem duvidar desse descaramento consulte a professora Kristina Petersen, da Universidade Estadual da Pensilvânia.
Vontade de xingar e brigar
A informação subliminar mais recente difundida é que os humanos andam loucos, briguentos e ofendem os semelhantes porque seus maus hábitos alimentares e o estresse prejudicam as pobres bactérias, detonando reações que com o tempo se tornam males crônicos ou incuráveis.
Será que as bactérias instaladas no cérebro não distraíram as atenções humanas para relaxarem com a higiene das mãos? Em pleno terceiro milênio, foi preciso um gentil vírus, pouco letal e em forma de mina marítima aparecer para sacudir o mundo caótico do aquecimento boçal e dos frios arrepiantes para ensinar os marmanjos, finalmente, a lavar as mãos.
Como se não bastasse, há pouco o extremismo bacteriano anunciou que você, agricultor, pode parar com os fertilizantes de sempre e em troca usar bactérias que dizem ser capazes de promover o crescimento das plantas. Provas? A coisa rolou no Laboratório Nacional de Biorrenováveis do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais. Terão as bactérias controlado os cientistas?
Lave as mãos e leia a embalagem
O ataque mais feroz e nojento da revolução bacteriana foi anunciar que o transplante de fezes dará conta de problemas de saúde como casos de colite. Nem queira saber por onde eles enfiam a coisa. E veja bem que a intenção de enfiar fezes alheias é trazer um montão de bactérias para invadir um organismo já debilitado.
Ouça o silêncio ensurdecedor de seu vírus:
- O próximo fenômeno que vamos causar, tão importante quanto lavar mãos, coisa que Pilatos já fazia, será fazer você prestar atenção às letrinhas miúdas das embalagens das comilanças que metem goela abaixo: composição química, aditivos, conservantes, sabores e teores artificiais.
- A favor de nós, vírus, as bactérias e a extrema imprensa concordam que o consumo de antibióticos faz mal a elas e aos homens. Adivinhe quem espalhou aquela mentira de não tomar ibuprofeno... Por isso, parem de tomar remédios contra nós, os vírus, para não afetar suas queridinhas bactérias.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br