A perda do feminino
Renato Sant'Ana
Uma garota de 11 anos, durante o recreio na escola foi posta a nocaute. Quem a agrediu? Quem a espancou até fazê-la desmaiar?
Pois ela foi agredida por um grupo de três meninas. Sim, meninas! Uma atacou por trás, sorrateira, puxando-a pelos cabelos para que a líder da gangue (mais alta e mais forte) começasse a esbofeteá-la. E quando a vítima caiu, uma terceira menina pôs-lhe o pé no pescoço (postura de macho infame) e as outras passaram a chutá-la mesmo desacordada.
Nenhuma tinha mais de 14 anos. E estiveram a ponto de assassinar uma criança, ação interrompida por um adulto providencial. Motivo da agressão? Só uma antipatia gratuita! Infelizmente, hoje isso é por demais corriqueiro.
O que estará acontecendo neste nosso rascunho de civilização? Nas últimas três décadas, o feminino foi ressignificado. E, no plano concreto, enquanto algumas mulheres ocuparam com desenvoltura posições sociais das mais relevantes, um número ainda maior delas passou a se comportar com a mesma estupidez e vulgaridade dos homens mais estúpidos e mais vulgares.
Há 30 anos, se rapazes agissem na escola como a gangue das três, ficariam marcados. E, no fim, experimentariam certo constrangimento. E era impensável, então, que meninas se comportassem assim. Hoje, porém, vigora a estética da transgressão e é comum garotas sentirem orgulho da própria grosseria e vulgaridade.
Como se deu a mudança (notadamente para pior)? Vão culpar os homens? Naturalizaram-se comportamentos antes reprovados. Condutas transgressoras foram codificadas como exercício de liberdade. E uma nova estética se impôs. Há consequências: entre outras, como nunca, o corpo da mulher (ou o feminino) hoje é tratado como produto de consumo. Mas quem serão os artífices da degradação?
Artistas, lideranças políticas e ditos intelectuais articulam um discurso de falso respeito ao feminino, chamando de liberdade o que é só ausência de regras e de princípios. O senso de ridículo foi extirpado. E valores, que antes regiam a vida em sociedade, foram relativizados ou mesmo banidos.
O dano é para todos os segmentos sociais. Mas, sem dúvida, as principais vítimas estão na periferia, na franja da pobreza. Ali, sem falar da onda de gravidez na adolescência, basta que uma mulher (jovem ou adulta) seja discreta, recatada, basta que tenha uma postura invulgar para ser estigmatizada, vista com ódio e perseguida por gangues femininas: "É assim lá na vila", disse-me a mãe de uma vítima adolescente.
Estamos todos na contramão do processo civilizatório. Sim, porque a "coisificação" da mulher é um mal que atinge a todos: homens, inclusive. A quem interessa? Não percebem que, por trás disso, tem engenharia social, que nada é espontâneo e que há um resultado programado?
No ocidente - e é necessário demarcar esse território - há mulheres destacando-se na política, nos negócios, na ciência, etc. Não são feministas! São, isto sim, pessoas que se capacitam, vão e fazem! Será que alguém, mais do que elas, teria eficácia ao denunciar esta manipulação da mulher para fins inconfessáveis?
Quando é que, desse contingente bem resolvido, se levantarão vozes para fazer frente às articuladinhas de passeata? (Foto: Reprodução TV Anhanguera)
Renato Sant'Ana é psicólogo e advogado - sentinela.rs@uol.com.br