Os lazarentos na fila do Big Brodo
Alceu A. Sperança
Na rua, o rapaz cumprimenta a moça: - E aí, brodinha?
A inocente saudação permite ilações aos montes e se tirar a frase do contexto (desculpa de boquirroto) conclui-se que o feminino de brother, nesse portinglês, não é mais sister.
Seria ranzinza tecer uma catilinária sobre a educação pátria, que ao contrário de se amoldar à sábia orientação de um ministro gabaritado tem um ministro barraqueiro se amoldando à educação precária.
Os brodinhos e brodinhas estão nas mãos dos gestores de uma educação que ensina mais a gritar que a pensar. Como ainda há espaço para a tolerância e a gentileza, a palavra "brodinha" traz tanto carinho embutido que por livre associação de ideias lembra o conservador brodo (ou bródio, para não magoar os vernaculamente corretos), um antigo caldo ou sopa de vegetais.
Caretas e grunhidos
O brodo era servido pelas irmãs de caridade aos lazarentos, pesteados e miseráveis à porta dos conventos. Os que sobreviviam, já adiantados nos anos, lembravam com saudade como escaparam da morte graças às freiras e ao brodo.
Para matar saudades e sentir gratidão, faziam um sopão festejando a vida e a alegria. A partir daí o brodo já não lembrava mais a peste. Virou símbolo de amigos e familiares, a fraterna brodarada que nos é tão cara, reunida para um alegre festim.
Como aconteceu com o brodo, há muitas coisas que no passado eram negativas e com o tempo mudaram de significado. Democracia, por exemplo. Os gregos a inventaram, mas não a consideravam boa forma de governo.
Se vissem como ela ficou - a polarização à la Hobbes, em que todos xingam todos - talvez achassem que ela continua ruim, de fato, mas não se inventou nada melhor.
Henry Louis Mencken, morto em 1956, poupado da combinação entre pestes (gripe aviária, Covid 19) e grossa incompetência governamental, já pensava que "a democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos". Muitos gestos, caretas, grunhidos e nada que resolva. É isso ou tem jeito?
A nova ala liberal
Eric Blair (George Orwell), em 1948, quando tratou de 1984, avisou a brodarada deste planeta que os mais loucos e malandros iriam engabelar as massas.
Eles controlam hoje algoritmos e robôs suficientes para impor narrativas, como se viu na influência russa nas eleições americanas de 2016, coisa que gregos, troianos ou Truman só poderiam supor. Truman? Ele criou a CIA em 1947, um ano antes de Blair criar o Big Brother, justamente para evitar esse tipo de coisa.
Há inúmeras receitas de brodo e também muitos partidos políticos. Nota-se uma semelhança comum entre os caldos e as agremiações partidárias: variam e se combinam de diferentes maneiras, mas sopa sempre terá água e os partidos serão sempre moldados pela ideologia dominante, que nos últimos séculos é o capitalismo.
Não adianta fingir que existe outra coisa além de capitalismo. Até onde a vista alcança, é tudo capitalismo, aqui e ali ainda algum resto de feudalismo ou escravidão.
O que chamam de "socialismo" nos EUA e na Inglaterra é só uma versão cidadanista do velho liberalismo, que, idoso em seus trocentos anos, sempre aparece como o novo mais novidadeiro de cada novidade inovadora.
Pântano do atraso
A diferença marcante entre o prato de origem italiana e a sopa de letrinhas dos partidos é que o caldo se pode saborear a qualquer tempo e os partidos são feitos só para disputar eleições a cada dois anos.
Em outubro haverá eleições para prefeito, mais um passo no arranjo das cláusulas de barreira, cuja versão brasileira foi criada para beneficiar os partidos que se encorparam primeiro com os planos Cruzado e Real e depois com a corrupção do Mensalão e do Petrolão.
Tudo isso lhes permitiu comprar votos, alugar magos da propaganda e contratar visibilidade na mídia e redes sociais, rendendo-lhes o filé das fatias maiores dos fundos partidário e eleitoral, que deveriam ser nulas por vício de origem.
A corrupção estende, assim, seus tentáculos pelo presente e pelo futuro, implacavelmente. Ao contrário de um entendimento para passar o país a limpo, olhos presos no passado.
A nação mergulhada no pântano do atraso num mundo de horrores bélicos e viróticos sofre com a desumana incapacidade de comunicação da trollagem e do insulto, excluindo os brodinhos fracos e doentes dos benefícios das maravilhas tecnológicas.
Caldeirão fervente
O prefeito das grandes cidades é a cara de um dos polos prediletos do Big Brother, o Bródão. Nas médias e pequenas, é sempre um dos polos do Mini Brother, o conjunto que comanda as comunidades oligárquica e fraternalmente (brodamente, diria o rapaz).
É isso que conta e não os partidos. Se partidos contassem, o MDB, cheio de prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais e senadores, não faria só 4,4% dos votos na eleição presidencial de 1989.
Para preocupar, brodinhos e brodinhas, há uma diferença maior e decisiva entre o brodo culinário que ontem salvou lazarentos e o angu dos partidos pesteados, agora que além da sopa de letrinhas também viraram substantivos, adjetivos e flexões verbais: o simples cheiro das ervas aromáticas que sai do brodo dá água na boca a qualquer um, mas o odor pútrido que exala da maioria dos partidos dá ânsia de vômito até em brothers de estômago forte.
Com mais pestes e as desigualdades aumentando, o brodo da futura felicidade precisará vencer o Big Brodo dos lazarentos, que ainda ferve no caldeirão.
Alceu A. Esperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br