O que nos deixou o ano de 2019
J. J. Duran
O rasgo marcante do ano que passou foram os protestos, uma ola contestatória que percorreu boa parte do mundo, plagando cidades de barricadas e verdadeiras batalhas campais entre manifestantes e forças repressoras.
Mas não foram rebeliões contra um sistema político ou um modelo econômico, e sim um fenômeno transversal que sacudiu a democracia liberal e corrupta, de matizes provenientes do populismo personalista.
Todas as gerações, cada qual no seu momento de protagonismo, procuram vislumbrar seu futuro. Nos anos 60 do século XX a juventude da qual fiz parte teve seu instante de fúria contra os governantes que ditavam o futuro da sociedade.
Na época, abandonou-se o diálogo e implantou-se, pela intenção dos governantes e pelo repúdio dos governados, uma longa década fratricida.
O resultado disso foi a construção de muros que até hoje separam a sociedade, sem permitir que o pensamento dissidente e a ideologia sincera sejam pontes por onde devem transitar todos e não apenas os eternos domesticados do poder de turno.
O ano que recém terminou e ficará para sempre nas páginas da História teve os matizes próprios de um tempo em que o desconcerto de ideias, a falta de credibilidade das instituições básicas da democracia e a incineração de biografias próceres produziram o que o escritor platino Rafael Bielsa definiu como"o suicídio de todas as esperanças".
Tanto da década fratricida da minha infância quanto dos acontecimentos de 2019, devemos extrair um mesmo ensinamento: o de que somente o poder real tem a capacidade de transformar o relato, a luta e as intenções em realidades. E esse poder se chama senso comum, com respeito mútuo entre governantes e governados.
O engodo, o messianismo temporal e o autoritarismo vazio são expressões características dos medíocres. Sem a verdade, tudo será ilusão. E 2019 foi um ano repleto de ilusões, infelizmente. (Foto: AGBR)
J. J. Duran é jornalista e membro da Academia Cascavelense de Letras