Brasil, ame-o ou deixe-o! Deportação é outro papo
Alceu A. Sperança
As aparências enganam e o marketing eleitoral vai enganar muito mais. A julgar pelas trucagens no preparo de vídeos engraçadinhos para o TikTok, na campanha eleitoral deste ano o crédulo eleitor verá candidatos ressuscitando mortos, curando paraplégicos para correr cem metros e fazendo aparecer dinheiro no bolso dos fiéis. Depois da posse é só fazer sumir o dinheiro de verdade nas armações do poder.
Truque, mesmo, foi o Mensalão enriquecer os partidos que criaram as regras eleitorais. Com isso, o conjunto da política brasileira é corrupto, mas é aceito sem chiadeira. Muitos mandatos, desde 2006, têm esse vício de origem. Não tinham o direito de reservar para si fatias maiores do Fundo Partidário com base em votos ganhos com recursos roubados da população. Mas quem não gostar das regras do jogo já sabe: a porta da saída é a serventia da casa.
- Brasil, ame-o ou deixe-o! - bradava o patriótico e nacionalista slogan dos chamados anos de chumbo. Hoje falam muito em estanho, esqueceram um pouco o nióbio, mas o ouro está sempre em alta numa economia sempre em crise.
Saiu do seu bolso, contribuinte
O slogan é velhíssimo, mas continua tão atual que muitos brasileiros descontentes e insatisfeitos vão pulando fora. Não são miseráveis, pois estes continuam aqui sem revoltas numa fila de Bolsa Família ou em busca de um caridoso sopão. Os apátridas são jovens com diplomas e habilidades que vão em busca de oportunidades lá fora.
Você custeia universidades públicas, campeãs em pesquisa de qualidade. Eles se formam, beliscam mestrados e saboreiam doutorados. E aí o que esses ingratos fazem? Atendem àquele velho slogan e deixam o Brasil pela serventia da casa.
Em outubro, aqui haverá eleições municipais e em novembro os gringos vão reeleger o trêfego Donald Trump achando que a estabilidade relativa dos EUA vem das besteiras que ele diz e faz. Ou não, como diria Caê. O foco agora será dirigido para uma brasileira à qual os americanos estão dizendo:
- Não gosta da América? Então volte para o Brasil!
Saúde para todos? Que fantasia é essa?
Ela podia estar no Brasil caluniando colegas, tentando um padrinho no governo ou até lavando dinheiro para o crime organizado, mas preferiu desafiar logo a presidente da poderosa Câmara dos Deputados dos EUA.
Agatha Bacelar deixou o Brasil no colo da mãe, que engravidou de um norte-americano. Volta sempre para não perder o contato com a cultura, as gentes e o idioma. Com seu português traindo um sotaque gringo inevitável, Agatha, de 27 anos, engenheira pela influente Universidade Stanford, conta que vai disputar nas eleições de novembro uma vaga no Congresso americano logo contra uma das mulheres mais poderosas do mundo - Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos EUA.
A brasileira está na lista dos candidatáveis do Partido Democrata para representar o distrito da Califórnia, que abrange a ensolarada São Francisco.
Ela não vai vencer, é claro, mas sabe que quem ficar em segundo lugar na disputa será herdeira de Nancy, que aos 79 anos disputará sua última eleição. A ousada brasileira viu na atual campanha espaço para abrir seu futuro enquanto defende suas estranhíssimas ideias: garantir saúde grátis para todos e um clima global controlado, evitando as tragédias resultantes de seus rigores. Que maluca...
- Não gosta da América? Então volte para o Brasil!
Teste suas habilidades
Agatha não poderá ser deportada, mas enquanto ela desafia a mulher mais poderosa das Américas, Mr. Trump anda muito irritado com outros brasileiros que o desafiam diariamente, tentando entrar ilegalmente em sua abençoada pátria.
Se quiserem entrar, entrem como a mãe, no bom sentido, de Trump, que não nasceu nos EUA: era escocesa e entrou legalmente no país. Mais fácil que cair nas mãos dos coiotes e ser deportado da Gringolândia para a pátria desamada e deixada.
Que tal trocar um reles coiote por um dingo australiano? Volta e meia a Universidade de Adelaide abre inscrições para um programa de bolsas de pós-graduação na Austrália para atrair pesquisadores de alto potencial.
Ninguém deporta cérebros de alto potencial. A Ozy, prestigiosa revista digital estadunidense, deu que o número de vistos americanos para brasileiros com"habilidades extraordinárias"(diplomas e doutorados, of course) subiu 159% em 2019 em relação a 2018 e 408% na comparação com 2017.
A porta de entrada é de muita serventia para a casa gringa. Os pobres, porém, devem ser confinados na pátria: ame-a ou não, sem"habilidades extraordinárias"(lavar roupa e limpar privada já não está dando tanto ibope) não pode deixá-la a não ser à custa de sérios dissabores. A deportação é a serventia da house.
Proteja seus intestinos
Os relatos de brasileiros que se deram bem nos EUA são animadores, mas nem sempre contam que passavam com o intestino desarranjado, de má alimentação e medo, depois de vários dias presos em muquifos mexicanos à espera de receber o sinal verde do coiote para iniciar a aventura de cruzar a fronteira a pé, em desagradável viagem de até quatro dias com as vísceras em pandarecos. Nesse caso, melhor amar o Brasil e não deixá-lo!
Há também os ricos que amam mais o conforto que a pátria. Para não ter os elegantes intestinos desarranjados pelo medo dos tiroteios, brigas no trânsito e balas perdidas, um grupo de famílias brasileiras prepara as malas para bater asas e habitar apartamentos comprados no empreendimento de luxo Turnberry, em Miami.
Vão contar os dias até julho, quando começarão a habitar na glória gringal um prédio de 54 andares, pagando por espaços que variam desde módicos US$ 3,5 milhões a refestelados US$ 35 milhões. Sai caro, mas os intestinos livres de chumbo, estanho ou talvez até nióbio agradecem.
Há facas fakes feitas com nióbio que, dizem, cortam até aço. Se candidato poderá ressuscitar mortos no TikTok, mais facilmente fará enrolações com nióbio.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br