Não foi de susto, bala ou vício, mas pacificou o Brasil e morreu
Alceu A. Sperança
O projeto de Brasil pacificado, com o qual volta a sonhar o governador Rui Costa (PT-Bahia), não começou com a Carta aos Brasileiros na qual Lula traiu os eleitores e se rendeu ao Centrão. Foi uma longa, paciente e vitoriosa costura feita depois de muitas caneladas e trocas de ofensas entre o jovem imperador Pedro I e o agressivo Honório Carneiro Leão, que depois virou o Marquês de Paraná.
O que será do próximo ano?
Era o que perguntava o jornal Correio Mercantil, onde escreveram os precursores de youtubbers Machado de Assis e José de Alencar: "O sistema representativo está falseado no Brasil; a Constituição ferida em suas bases essenciais. [...] a facção oligárquica se tem empenhado em levantar uma barreira anticonstitucional entre o poder e o Partido [NR: ainda não Social] Liberal".
Relendo o trecho sem os colchetes irônicos ele não parece escrito no fim de 1852. Parece assustadoramente com 2019.
País desunido, governo rachado
Naquele fim de ano, a oposição ao governo surgiu nas próprias fileiras conservadoras, mais de um século e meio antes de Joice Hasselmann. Já então ninguém suportava mais a dramática situação do Brasil, com duas facções se atacando a tiros e o povo sofrendo.
Diante dos impasses, começam a prevalecer as vozes que clamam por uma conciliação política, tanto do lado dos liberais como dos conservadores. Nelas, vai prevalecer o talento diplomático de Carneiro Leão, o Marquês de Paraná. O brigão de ontem estava amansado pela arte da diplomacia.
A proposta de conciliação entre conservadores e liberais para tirar o Brasil da situação difícil em que se encontrava ganhou força repentina. O jornalista Salles Torres Homem, que antes recusava qualquer entendimento com os conservadores (chegou a pregar a insurreição revolucionária em 1848), aderiu à tese:
- O espírito de facção contorceu a consciência do povo nos moldes de ferro da polícia, destruiu a concorrência das opiniões, desmoralizou, alvorotou e ensanguentou o país [...] O que alcançou ele em resultado de tantos males?
Paz faz bem aos negócios
Carneiro Leão se consagrou como um dos mais importantes líderes políticos brasileiros ao resolver a questão Oribe e Rosas e foi homenageado pelo imperador com o título de Marquês de Paraná. Para Joaquim Nabuco, Leão foi "o braço mais forte que nossa política produziu".
Ex-liberal e agora líder do Partido Conservador, vendo sua agremiação rachada, Carneiro Leão deu sinais aos líderes liberais de que a situação do Brasil seria insustentável sem um entendimento entre as principais forças políticas nacionais. Forma-se em 6 de setembro de 1853, assim, o Ministério da Conciliação.
- Proposto por Nabuco de Araújo e realizado pelo Marquês do Paraná, seu projeto é a ordem, a paz de que careciam os negócios -, escrevem Paulo Bonavides e Roberto Amaral, em Textos Políticos da História do Brasil, vol II, Império, Segundo Reinado.
Com o beneplácito do imperador Pedro II, Paraná toma para si a tarefa de unir sob seu comando, no mesmo governo,"conservadores dissidentes e liberais históricos". A conciliação foi um raro período em que a estabilidade política e a econômica se alinharam.
Conservadores light + liberais maleáveis
Para além de criar a Província do Paraná com o peso de sua autoridade e sofrer críticas por isso, o Marquês pegou o Brasil caótico e desunido mas conseguiu estabelecer sua vitoriosa política de conciliação nacional,
Apoiando-se nas alas moderadas do Partido Conservador, criou um governo forte e qualificado em conjunto com as lideranças liberais mais respeitáveis. Para o Brasil, o governo de conciliação do Marquês de Paraná foi de paz (política) e prosperidade (para as elites de sempre).
A recente e desastrada conciliação de Lula com banqueiros, transnacionais e os "campeões nacionais" (grandes grupos econômicos brasileiros) resultou de trocar os pés da peonada pelas mãos dos ávidos partidos do Centrão. Deu na perda do poder pelo voto e uma cadeia adicional.
Mas a conciliação construída pelo Marquês de Paraná também lhe custou caro: a morte misteriosa, inexplicável, no auge do sucesso. Ele se sentia forte o bastante para deflagrar a grande revolução que o Brasil precisava: criar um sistema democrático e pluripartidário na monarquia constitucional, vencendo de vez a polarização bipartidária liberais X conservadores.
Antes que viesse a primeira fake news de que ele estaria tramando a criação da República, morre de repente.
Caiu sem sentidos em pleno discurso
Suas ideias depois venceram, nas constituições de 1946 e 1988, mas ele pagou com a vida pela intenção nobremente republicana de ao invés de dois polos brigando com o país estagnado e dividido, ter um Centro hegemônico, formado por agremiações intercambiáveis, fazendo maiorias em que um Executivo não destoante do Legislativo teria eventuais atritos mediados por uma austera e (sem gargalhadas, por favor) imparcial Justiça.
Ao sofrer um desmaio repentino, em 1856, do qual jamais se recuperou, os vários médicos que atenderam Paraná não chegaram a um consenso sobre a causa da morte. Do jeito que ele caiu ao discursar no parlamento, poderia ser veneno externo ou raiva interna. Suas últimas palavras foram Pátria e Liberdade. Talvez tenha morrido dessas (ou por estas) duas causas.
Alceu Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br