A conta da greve
Editorial Estadão
A greve dos caminhoneiros tem sido apresentada como uma estonteante vitória, já que o setor obteve várias conquistas. A principal foi a promessa do governo de reduzir R$ 0,46 no preço do litro do diesel. As reivindicações que antes eram sonhos inalcançáveis se tornaram rapidamente realidade, como resultado do colapso que o movimento dos caminhoneiros, com a anuência das autoridades, impôs ao País.
A chamada vitória dos caminhoneiros tem um enorme custo econômico para o País. A concessão da redução de R$ 0,46 por litro de diesel exigirá dois conjuntos de medidas, com significativas consequências para a população. O primeiro pacote é de natureza tributária. Para diminuir o preço do diesel, o governo propôs reduzir o PIS/Cofins em R$ 0,11 e zerar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que atualmente está em R$ 0,05. Os recursos da Cide destinam-se a investimentos em infraestrutura de transporte e a projetos ambientais relacionados à indústria de petróleo e gás, além de subsidiar combustíveis ecologicamente mais sustentáveis.
Em contrapartida, será necessário aprovar a reoneração da folha de pagamento. "Ela (a reoneração) é condição necessária, mas não suficiente, para fazer a redução de 16 centavos. Além da reoneração, outras medidas virão e oportunamente vamos falar", disse o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia.
A segunda medida é a volta do subsídio para o diesel. O Tesouro Nacional pagará à Petrobrás R$ 0,30 por litro de diesel consumido. A estimativa é de que o subsídio custe aos cofres públicos R$ 9,5 bilhões. Para tanto, o governo pretende cortar gastos na ordem de R$ 3,8 bilhões. O restante da conta entrará diretamente como déficit fiscal.
A redução artificial do preço do diesel exige contrapartidas - e nenhuma delas é benéfica para o País. Parte significativa da população, no entanto, vem ignorando essa inexorável equação, como se fosse possível reduzir imposto, ou criar subsídio, sem maiores consequências. Essa redução forçada das receitas públicas exigirá remanejar os gastos públicos, com efeitos sobre os serviços públicos essenciais.
Observa-se uma esquizofrenia no modo como alguns lidam com a crise. Há muitos aplausos quando o preço do litro do diesel abaixa. Difunde-se o sentimento de que o povo está finalmente alcançando suas vitórias. Mas não veem que essas tais conquistas são tremendas derrotas para a população, que terá de arcar com a salgada conta.
Além do custo fiscal e da redução da oferta de serviços públicos - já que as receitas serão menores -, o que tem sido chamado de solução para a greve dos caminhoneiros é a anulação, na prática, do saudável espírito que vinha presidindo as reformas econômicas. O esforço feito desde 2016 para recolocar o País nos trilhos, começando por empreender um caminho de ajuste fiscal, está sendo forçosamente abandonado, em decorrência de um movimento que chantageou o País.
Por mais que a situação dos caminhoneiros autônomos seja precária - e exija uma especial atenção do poder público -, a greve iniciada na semana passada gerou um problema para o qual não há solução no panorama político de curto e médio prazos. Basta ver a recente atuação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Em vez de se portar com a responsabilidade que o seu cargo exige, Rodrigo Maia preferiu fingir que não há necessidade de contrapartidas para equilibrar as contas públicas vulneradas pelo atendimento dos caminhoneiros. "Não vai ter aumento de imposto porque isso aqui é uma democracia e ele (Eduardo Guardia) não manda no Congresso Nacional", disse o presidente da Câmara, que, pelo visto, se considera equivocadamente porta-voz do Congresso.
Os problemas nacionais são graves e é dessa qualidade o quadro político de que o País dispõe para resolvê-los. O presidente da Câmara, que não quis a seu tempo a reforma da Previdência, agora diz autocraticamente que não haverá aumento de imposto. Prefere ignorar o custo desse surto voluntarista.