O SUS tem futuro?
Arminio Fraga
Toda nação tem que decidir sobre que rede de proteção social oferecer a seus cidadãos. A natureza da decisão é solidária e distributiva. Trata-se de aspecto fundamental de qualquer Estado democrático digno do nome. A inspiração original vem de Bismarck: "O real problema do trabalhador é a insegurança da sua existência; ele não sabe se sempre terá trabalho, ele não sabe se terá saúde, e ele imagina que algum dia ficará velho e não poderá trabalhar". (Wiki, minha tradução)
Dois grandes modelos de sistema de saúde universal vêm se destacando no mundo ao longo das últimas décadas:
No britânico, a participação do Estado é dominante, com financiamento e gestão públicas. O Estado define a cobertura dos serviços, na maior parte gratuitos. O pilar fundamental do sistema é a atenção primária, que funciona como porta de entrada no sistema e procura racionalizar o uso dos serviços. Às ineficiências da gestão pública se contrapõem as economias obtidas pela centralização das compras e por menores custos administrativos e de propaganda.
No modelo alternativo, que permite variantes, as pessoas são obrigadas a comprar seguro de saúde (diretamente ou através de seus empregadores, com padrões definidos de cobertura). Os mais pobres recebem um subsídio do Estado, de forma a garantir a universalidade. A gestão é terceirizada, o que por um lado gera eficiência, mas por outro eleva a demanda por exames e cirurgias. Na prática, as seguradoras buscam minimizar seus pagamentos, frequentemente em confronto com seus segurados.
No Brasil, a Constituição Federal lista dezenas de direitos individuais, sociais e políticos. A saúde é direito de todos e dever do Estado. Assim diz a Constituição, assim foi construído um dos maiores sistemas de cobertura universal de saúde do planeta, o SUS.
Alguns resultados obtidos no campo da saúde nesses 31 anos foram notáveis. Destacam-se o aumento significativo da expectativa de vida dos brasileiros (de 65 a 77 anos), a queda da mortalidade infantil (de 53 a 14 por mil), a quase universalização das principais vacinas, a extraordinária redução do índice de tabagismo (hoje em 13%, dos mais baixos do mundo) e o pioneiro e bem-sucedido programa de prevenção e tratamento da Aids.
O SUS foi desenhado à imagem e semelhança do modelo britânico, que hoje custa cerca de 10% do PIB deles, sendo 8% administrados diretamente pelo Estado. No Brasil o gasto total com saúde chega a 9% do nosso PIB. No entanto, a despeito de suas origens, a proporção pública aqui corresponde a apenas 4% do PIB. Muito pouco para um sistema universal. Não surpreende, portanto, que, por falta de recursos e também por ineficiências, os usuários do SUS se vejam hoje às voltas com filas de espera, peregrinações à busca de atendimento e leitos improvisados. Os outros 5% do PIB são gastos diretamente pelas pessoas ou através de planos de saúde (o sistema suplementar).
Olhando para a frente, os desafios são enormes. A tendência em toda parte é de crescimento continuado das demandas por serviços de saúde, em função do envelhecimento da população, do crescimento da renda e do encarecimento dos custos do setor, em parte pelo uso de tecnologia e medicamentos eficazes e mais caros.
No Brasil não será diferente. Estudos do IEPS projetam um aumento dos gastos com saúde de cerca de 4% do PIB nos próximos 40 anos. Dado o estado precário das finanças públicas no país, dificilmente a fatia pública será mantida. Na verdade, ela deve cair, sujeita que está ao teto dos gastos públicos, congelados em termos reais. Nesse contexto, e mesmo levando-se em conta o potencial para relevantes ganhos de eficiência, a sobrevivência do SUS está ameaçada.
Como tenho defendido neste espaço, para investir mais em saúde e em outras áreas de interesse público será necessário buscar recursos em novas fontes: nos gastos e subsídios tributários regressivos, que devem ser eliminados, e na Previdência e no funcionalismo, que respondem por 80% do gasto público.
Notem, finalmente, que o sistema de saúde suplementar em seu formato atual não representa uma alternativa viável para os três quartos da população que dependem do SUS. Isto porque, ao contrário dos países avançados, aqui os subsídios são concedidos para os que mais podem, na forma de deduções do Imposto de Renda, não para os que não podem pagar. (Artigo transcrito da Folha de S. Paulo)
Arminio Fraga é economista e ex-presidente do Banco Central