O que ficou faltando na reforma da Previdência
Renato Follador
Tardou muito, mas a reforma da Previdência passou. Por enquanto, vale apenas para trabalhadores do setor privado e servidores da União. A aposentadoria só por tempo de contribuição acabou; agora há a aposentadoria por idade e tempo de contribuição: idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, e tempo mínimo de contribuição de 15 anos para homens e mulheres que já recolhem para o INSS. Para os homens que entrarem no mercado de trabalho a partir de agora, mínimo de 20 anos. No caso dos servidores federais, tempo mínimo de 25 anos. Para quem já trabalha, haverá sete regras de transição (cinco para o setor privado, duas para o público), e infelizmente os trabalhadores terão de consultar especialistas para saber a mais vantajosa.
As alíquotas de contribuição vão mudar para todos os trabalhadores, variando conforme a faixa salarial. No INSS, elas partem de 7,5% e chegam a 11,68%; para servidores públicos federais, de 7,5% até 16,79%. O valor da aposentadoria será de 60% da média salarial mais 2% a cada ano trabalhado a mais, a partir de 15 anos para mulheres e 20 anos para homens. E ainda há uma série de regras de aposentadoria especial para várias categorias.
Pois bem, não se fala mais nesse assunto. É isso mesmo? Não é verdade. A Previdência é um ser vivo, mutável, pois a sua base assim o é. A demografia se altera constantemente e, com a revolução tecnológica, também muda mais rapidamente, resultando no aumento da longevidade e na queda da taxa de natalidade.
O processo desgastante da reforma afeta diretamente a economia e, por isso mesmo, o ideal seria ter uma reforma o mais longeva possível. Em 1999, como resultado da reforma de 1998, implantamos um instrumento moderno de cálculo de aposentadorias, que evitaria essas constantes mudanças. O fator previdenciário, símbolo do equilíbrio financeiro e atuarial, representava uma conta de resultado zero. O aposentado receberia rigorosamente o que contribuiu dividido pelos anos de sobrevida recalculados anualmente pelo IBGE. Assim, as alterações demográficas já estavam previstas endogenamente na fórmula, dispensando discussões futuras sobre aumento de idade mínima.
Pois jogamos isso no lixo, estabelecendo idades mínimas de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens. Alguém duvida que, daqui a dez anos, estaremos discutindo novamente que essas idades são baixas para o equilíbrio da Previdência Social? Este, a meu ver, foi o primeiro lapso na atual reforma da Previdência.
O segundo foi a não implementação da capitalização. Não a do Paulo Guedes, inspirada no Chile, que não prevê a Previdência Social, pública, tendo como base até uns três salários mínimos, nem contribuição patronal, e que levou à pobreza milhões de aposentados lá. A minha proposta previa a capitalização obrigatória complementarmente ao INSS, com contribuição patronal e sem onerar mais os empregadores. Usar 5% da contribuição patronal atual de 20%, e 3% do FGTS do trabalhador, somando 8% do salário para uma previdência privada de sua livre escolha. Paralelamente, reduziríamos o teto do INSS de forma gradativa, em 35 anos, de seis para três salários mínimos. Não haveria ônus contributivo e, lá na frente, todo trabalhador teria duas aposentadorias: uma estatal e outra privada. Seria a democratização desta última, porque até quem ganhasse um salário mínimo teria o privilégio de contar com um plano B em seu nome. Fantástico também para o país, que começaria a formar uma poupança interna de longo prazo para financiar o desenvolvimento e a criação de empregos.
O terceiro lapso na reforma foi a não inclusão de estados e municípios. Os maiores problemas estão justamente neles, já que a União, em 2012, criou a sua previdência privada complementar. Financiados da forma como estão, pela chamada repartição simples - que arrecada de quem está trabalhando para pagar, no mesmo mês, os que estão aposentados -, e sem nenhuma reserva financeira, os regimes próprios de previdência dos servidores não terão recursos para honrar as futuras aposentadorias. Também no setor público, a tecnologia queima postos de trabalho e prolonga a vida dos aposentados. Uma bomba-relógio.
Político gosta de boas notícias e fotografia. O leitor acha que os governadores do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e outros tantos estados e municípios não pagam salários em dia porque não querem? Muitos deles nem o 13.º de 2018 pagaram porque não têm dinheiro para bancar a crescente população de aposentados com a reduzida receita dos que estão em atividade.
Outro lapso é a não inclusão dos militares, mas de forma justa aos militares. Injustiça social é tratar igualitariamente os diferentes. Não podemos imaginar homogeneização de categorias com riscos e atividades completamente diferentes da maioria dos trabalhadores. Ou alguém imagina um policial de 65 anos correndo atrás de bandido na rua? Os militares têm de ter regras diferenciadas. Eu teria colocado um gradiente de idade, indo de 50 anos para o policial até 65 anos para o coronel.
Por fim, a miopia da proposta aprovada pode ser detectada pelo horizonte de tempo. Todos, sem exceção, comentavam da economia em dez anos. De R$ 1,2 trilhão a R$ 800 bilhões, as contas variavam conforme as emendas no Congresso. Bobagem pura. Para a Previdência não importa o curto prazo, mas o equilíbrio no longo prazo. É nele que os investidores nacionais e internacionais estarão olhando quando decidirem se apostam ou não no Brasil. A economia já ali na frente só interessa ao governo de plantão e não à próxima geração.
Qualquer reforma que implantasse uma idade mínima no país já seria um enorme avanço. Mas minha percepção técnica, minha experiência profissional e minha sensibilidade política dizem que poderíamos ter feito uma reforma melhor, mais justa e durável por muito mais tempo. Tempo que, aliás, é o senhor da razão e vai dizer, ali na frente, quem estava certo.
Renato Follador é especialista em finanças pessoais e previdência social pública e privada