Da ditadura, tenho ódio e nojo
Luiz Claudio Romanelli
Que Bolsonaro e seus filhos são uma fábrica de crises, já sabíamos. Que são prepotentes, autoritários, levianos e incultos, também. Mas o último arroubo do deputado Eduardo Bolsonaro foi a quintessência do pensamento autoritário que norteia este (des)governo.
O filho 03 de Jair Bolsonaro, eleito com mais de 1,8 milhão de votos afirmou, em entrevista à jornalista Leda Nagle, que se a esquerda "radicalizar" a resposta do governo pode ser "um novo AI-5".
Diante da repercussão da declaração e depois de um pretenso "pito" do pai, Eduardo afirmou em entrevista à TV Bandeirantes que "talvez tenha sido infeliz" ao cogitar "um novo AI-5" no Brasil.
Vejam: ele sequer admite que sua afirmação seja uma excrescência.
A frase, mais do que infeliz, é grave e uma verdadeira afronta à Constituição e à Democracia. É uma declaração estapafúrdia.
O AI-5 foi o ato mais desprezível da ditadura e inaugurou o capítulo mais sombrio do regime militar, autorizando o fechamento do Congresso, a intimidação e perseguição à oposição e a censura à imprensa. Foi um instrumento de arbítrio e de exceção.
Ao defender "um novo AI-5", o deputado Bolsonaro comprova seu viés autoritário, demonstra sua ignorância sobre a história e pouco apreço às instituições democráticas e à Constituição.
A fala de Eduardo Bolsonaro não pode ser encarada como mais uma bobagem do garoto. Não é uma bravata. Ele verbalizou exatamente o que pensa, e não ficou sequer corado. Porque essa é a essência do bolsonarismo radical, como bem qualificou o jornalista Breno Boghossian, em artigo na Folha de São Paulo.
É sabido que o chefe do clã idolatra torturadores, acha que o golpe de 1964 foi um movimento e a data deve ser comemorada e que o erro da ditadura foi não ter matado mais.
Para o bolsonarismo, portanto, o AI-5 que institucionalizou o cerceamento à oposição e a perseguição a lideranças políticas, sindicais e de movimentos sociais, foi legítimo. E pode ser reeditado, caso seja do interesse do presidente.
Simples assim, como diria a bolsonarista arrependida Joice.
Na noite de quinta-feira (31) em uma live, o presidente novamente fez uma ameaça disfarçada de brincadeira, ao dizer que "quem quer atrapalhar o progresso, vai atrapalhar na Ponta da Praia". Ele se referia a servidores que estariam demorando para conceder licenças para a construção de um empreendimento. "Ponta da Praia" é a base da Marinha na Restinga de Marambaia, no Rio de Janeiro, que durante a ditadura serviu como centro de interrogatório, tortura e execução.
O fato é que é a sociedade e os políticos precisam entender que eles não estão de brincadeira, que essas afirmações não são bravatas nem piadas de mau gosto.
Os bolsonaros radicais não apenas flertam com um passado tenebroso, não são apenas saudosistas dos anos de chumbo. Dia a dia fica mais claro que não sabem conviver com as divergências de ideias ou a pluralidade de pensamentos. Quando se sentem ameaçados ou acuados, apelam para a conduta que lhes é usual e natural: o autoritarismo.
E quando não há apreço ou respeito à Democracia, quando se naturalizam medidas de exceção e de arbítrio, quando não há respeito às garantias individuais e à liberdade, está plantada a semente do totalitarismo.
A afirmação descabida de Eduardo é inaceitável e merece o repúdio de todos. O Brasil não pode retroceder, nem aceitar qualquer tentativa de esgarçamento do Estado Democrático de Direito. O Brasil tem uma democracia consolidada e não serão arroubos de valentia que mudarão a nossa história.
A cada afirmação que afronte a Democracia e a Constituição formulada por esses radicais, é preciso reagir com a firmeza e a indignação necessárias.
Como bem disse o saudoso Dr. Ulisses Guimarães, ao promulgar a Constituição :"Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo".
Ditadura, nunca mais!
Luiz Cláudio Romanelli é advogado especialista em gestão urbana, ex-secretário estadual da Habitação, ex-presidente da Cohapar, ex-secretário estadual do Trabalho e deputado estadual pelo PSB do Paraná