A coalizão da impunidade
Renato Sant'Ana
Deputados do PT e PCdoB foram ao Tribunal de Contas da União (TCU) pedir a suspensão da publicidade do Pacote Anticrime. E o ministro Vital do Rêgo, em decisão monocrática e a toda velocidade, satisfez a vontade dos valentes. Um dia depois, o pleno do TCU ratificou a decisão. Mas, que transações subterrâneas estarão contidas nessa notícia?
O Pacote Anticrime, principal iniciativa do governo para combater o flagelo da criminalidade, é um elenco de propostas de criação e de alteração de dispositivos legais encaminhado ao Congresso Nacional pelo Ministério da Justiça, comandado por Sergio Moro.
Uma das alegações do pedido é o custo: R$ 10 milhões. Mas, sempre, todos os governos gastaram com publicidade. E nunca houve semelhante reação. É curioso que, só agora, quando o assunto é "combate à corrupção", os articuladinhos venham teatralizar preocupação com dinheiro público.
Em 2013, Dilma Rousseff gastou R$ 5,3 milhões de reais com uma de suas farsas ideológicas, a I Conferência Nacional de Transparência e Controle Social (I Consocial), expediente para conseguir apoio popular para aprovar no Congresso a Lei Anticorrupção - que seu governo julgava útil para espetar adversários. Ninguém foi ao TCU contestar.
Michel Temer destinou R$ 20 milhões à campanha publicitária da reforma da Previdência. No entanto, sequer o PT, que o acusava de "golpista", pediu a suspensão da propaganda.
O próprio Governo Bolsonaro realizou uma campanha publicitária para difundir os pontos mais importantes do projeto de reforma da Previdência. Porém, tampouco aí houve pedido de suspensão.
A reação só veio quando a campanha era de promoção do Pacote Anticrime, que, aliás, endurece com os corruptos. Será mera coincidência? Os deputados que foram ao TCU estão entre os que, contra todas as evidências, defendem a inocência de bandidos presos por corrupção.
Aliás, em nota pública, a Associação da Auditoria de Controle Externo do TCU (AUD-TCU) advertiu que "A jurisprudência consolidada pelo TCU nas duas últimas décadas não apontou, até agora, sinais de proibição explícita de se fazer campanha publicitária para esclarecer questões objeto de propostas legislativas encaminhadas ao Congresso Nacional".
E quem será Vital do Rêgo, que puxou o voto no TCU? Como senador, ele presidiu a CPI Mista da Petrobras em 2014. E, segundo declarou Delcídio do Amaral em delação premiada, usou o cargo para receber pagamentos vultosos e não permitir a convocação de empreiteiros.
Tais pagamentos foram confirmados, mediante exibição de documentos, por Léo Pinheiro, presidente da empreiteira OAS, assim como por outros executivos da mesma empresa, todos encrencados na Lava Jato.
Outro encrencado, Gustavo Xavier Barreto, executivo da Andrade Gutierrez, disse em depoimento à Polícia Federal (PF) que, durante reunião-almoço com a presença de Vital do Rêgo, na casa de familiares do ex-senador Gim Argello (PTB-DF, preso na Lava Jato), foi afirmada a preocupação da CPI em "não prejudicar as empreiteiras".
Em 2014, aos 51 anos, na metade de seu mandato de senador, Vital do Rêgo foi agraciado pelo Senado com o cargo vitalício de ministro do TCU. E logo assumiu a relatoria de todos os processos relativos à corrupção na Petrobras (inclusive o que trata da absurda compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos), os quais, até então, estavam com o ministro José Jorge, que se aposentou e foi por ele substituído.
Desde maio de 2016, Vital do Rêgo responde por corrupção e lavagem de dinheiro, processo que tramita (ainda não sentenciado) na Justiça Federal do Paraná (leia-se Lava Jato).
Em 05/12/2016, no curso das investigações, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão na casa dele - um ministro do TCU!
Em 07/12/2016, a Associação Nacional do Ministério Público de Contas, que reúne procuradores de todos os tribunais de contas do Brasil, pediu que, por óbvia prudência, Vital do Rêgo deixasse a relatoria e o julgamento de processos relacionados à Petrobras.
Mesmo assim, em 08/05/2017, O Estadão informava que Vital do Rêgo seguia conduzindo processos de interesse das empreiteiras, sendo que, em ao menos cinco casos relativos a contratos das empresas com a Petrobras e outros órgãos públicos, ele era relator, com poder para direcionar auditorias e elaborar os votos que orientam os julgamentos, situação questionada pelos próprios auditores e procuradores do TCU.
Além dele, outros membros do TCU têm comportamento questionável (como Raimundo Carreiro, recentemente citado na delação de Antonio Palocci). Mas já basta para ter-se um vislumbre de que existe, no País, uma coalizão pró-impunidade, que combate o Pacote Anticrime para pavimentar o caminho da corrupção.
Agora, queiramos ou não, o sistema de parasitas do Brasil é uma pirâmide: na base está a imensa multidão de "isentinhos inoperantes", a maioria que, sem se mexer para nada, dá sustentação aos que estão lá em cima, isto é, a minoria que suga a seiva da nação.
À maioria, faria bem meditar nas palavras de Edmund Burke: "Tudo que é necessário para o triunfo do mal é que as pessoas boas nada façam".
Renato Sant'Ana é advogado e psicólogo - sentinela.rs@uol.com.br