Lei de abuso de autoridade, remédio que mata o paciente
Renato Sant'Ana
O promotor de justiça Alex Sandro Teixeira da Cruz, de Criciúma (SC), viu-se diante de uma denúncia anônima de um caso de "importunação sexual", a qual continha relato sobre a suposta autoria, mas sem dados concretos sobre a vítima e as circunstâncias do fato.
Em situações assim, a praxe é abrir uma investigação, apurar a veracidade da denúncia e, em se confirmando, levar a proteção estatal à vítima e iniciar a persecução penal do agressor.
Mas o promotor pisou no freio e arquivou a denúncia por causa da nefasta Lei de Abuso de Autoridade, cujo artigo 27 prevê punir com detenção (de seis meses a dois anos), além de multa, a autoridade que "instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime". Mas quem vai dizer se há ou não "indício da prática de crime"?
Uma investigação pode ter dois resultados: produzir provas que confirmem a ocorrência do fato ou, segunda hipótese, não encontrar provas, o que não necessariamente atesta a inexistência do fato investigado. E antes de concluída a investigação, não há certeza alguma. Pois com a nova lei, a óbvia incerteza inicial implica risco de a autoridade, que deu início ao procedimento, ter um processo criminal contra si.
Quem, culpado ou inocente, ficará feliz sabendo-se investigado? E quantos, nesse caso, não vão querer processar a autoridade que conduziu a investigação? Esse é apenas e tão-somente um ponto da lei, que também reserva intimidação para juízes, auditores fiscais, etc.
Mas atacar essa lei energúmena não significa aprovar abusos (que são mais graves se praticados por autoridades). Ocorre que essa lei é o "remédio que mata o paciente": sob o pretexto de coibir abusos, ela institui o "estatuto da impunidade", como escreveu Eduardo Perez Oliveira, juiz de Goiás. E a "impunidade"é sinal verde para abusos.
A conduta esquiva do promotor de Criciúma, como se vê, é causada por uma aberração legal inventada pela escória que domina o Congresso Nacional. É a falência do Estado programada por quem faz as leis. E se não houver uma reversão, veremos juízes, membros do Ministério Público, policiais e auditores fiscais sob mordaça. Vai ser a soberania do crime.
E como desfazer um dano tão bem articulado? Entidades, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), a Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe) e a Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal (Anafisco) já entraram no STF para desmontar a bomba.
Mas dará para confiar num STF que, de hábito, vem afrontando a Constituição? Não! Mas ainda resta esperança. As entidades aqui referidas, além do inequívoco prestígio, têm autoridade moral para combater essa lei. É provável que consigam neutralizar a vaidade dos ministros do STF, alcançando um resultado justo.
Renato Sant'Ana é advogado e psicólogo - sentinela.rs@uol.com.br