Reflexões de um prefeito
Carlos Antonio Reis
Pense em uma cidade em que não há nenhuma criança fora da escola. Os centros de educação infantis não têm lista de espera. Na rede municipal de educação são ofertadas refeições com cardápio elaborado e acompanhado por nutricionista. Salas com no máximo 20 alunos e todas climatizadas. O uniforme é ofertado gratuitamente. Os professores são valorizados com aumento real de seus vencimentos e cursos de qualificação. Psicólogos, fonoaudiólogos e neuropediatra atendem as crianças que necessitam desse serviço especializado na rede municipal de educação. Os universitários têm transporte gratuito e de qualidade até as instituições de ensino superior da região.
Pense em um lugar em que a atenção básica em saúde funciona. Não existem filas para atendimento médico. As consultas são agendadas para evitar tempo de espera superior a 15 minutos. Pacientes acamados recebem atendimento domiciliar, inclusive aqueles que precisam receber alimentos de acordo com sua necessidade e acompanhamento de nutricionista. Além de nutricionista, o sistema de saúde oferece odontólogo, médico obstetra, clínicos gerais, psicólogos, psiquiatra e fisioterapeuta. Os exames laboratoriais são totalmente gratuitos, atendendo 100% da demanda. E, claro, farmácia básica com oferta dos medicamentos necessários. Eficiente serviço de urgência e emergência. E mais consultas e exames especializados através do consórcio de saúde.
Pense em uma cidade onde há 20 anos não ocorre sequer um homicídio. Esse mesmo lugar recicla seu lixo, e realiza coleta e disposição final do lixo convencional.
Os idosos recebem atenção, carinho e, sobretudo, respeito. Reúnem-se duas vezes por semana em espaço adequado e com monitores que desenvolvem várias atividades recreativas e de lazer. Passeios e viagens ocorrem com frequência. Inclusive há viagens programadas para o Litoral, onde por seis dias eles aproveitam o verão na praia.
Famílias em vulnerabilidade são assistidas e acompanhadas por equipe de profissionais qualificados. Em casos raros, se necessário, recebem uma cesta básica para suprir suas necessidades. Ainda há programa municipal para reconstrução de casas que estejam em situação precária, desde que a família tenha posse regular do terreno.
Nesse lugar não existem pessoas abandonadas, nem crianças nas ruas e famílias não passam fome, pois equipes de assistência social não descuidam dessas pessoas que necessitam do apoio do poder público.
Agricultores trafegam e escoam sua produção em estradas de ótima qualidade. O Município subsidia serviços de trator e outras máquinas para estimular o setor agropecuário.
Nessa cidade atividades esportivas e culturais acontecem frequentemente, com ações voltadas para o desenvolvimento cultural e esportivo e como forma de entretenimento e lazer.
Crianças e jovens com necessidades especiais são atendidos em escola mantida pela Apae e pelo Município, incluindo aí transporte da residência até a escola.
O prefeito está à disposição da população 24 horas por dia. Atende na Prefeitura, na rua e até em sua própria casa. Esse mesmo prefeito está sempre acessível à população, exercendo de fato a democracia representativa direta. De fato o prefeito está a serviço do povo. A classe política (prefeito, vice-prefeito e vereadores) não tem auxílio-mudança ou auxílio-paletó, apartamento funcional, segurança, passagens aéreas e carros de luxo com motorista à disposição. Quando viajam a serviço, as diárias mal cobrem as despesas e ainda prestam contas ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público.
Você, caro leitor, deve estar se indagando onde fica esse lugar. Os mais incrédulos pensam que isso não é no Brasil, que é coisa de um país europeu. Ou então que esse texto se assemelha com a obra Utopia de Thomas More, que em sua ilha imaginária idealiza a cidade perfeita não só na condição política, com cidadão gozando da eficiência do Estado.
Não amigos. Estou falando do meu Município, aqui no Oeste do Paraná. Realidade que não é muito diferente nos demais municípios do Estado com menos de 5 mil habitantes. Isso mesmo, aqueles que um senador, na falta de algo melhor pra fazer, apresentou proposta para extinguir.
De fato os municípios pequenos têm suas dificuldades, mas ainda assim estão em situação muito melhor do que se fossem distritos longínquos das sedes, esquecidos e relegados às migalhas que possam sobrar. A grande maioria dos pequenos municípios, se não tivessem sido emancipados, não passariam de pequenos aglomerados.
Na verdade, as dificuldades são impostas por nossos dirigentes de Brasília.
Fico aqui imaginando se o senador atuasse como médico: se faria o diagnóstico e, segundo a lógica dele, a maneira mais rápida e eficiente de aliviar os males e dores do paciente seria matá-lo.
Exageros à parte, mas é isso que o senador está propondo. Em vez de trabalhar para melhorar o quadro difícil desses pequenos municípios, ele propõe solução radical: extingui-los. Temos outras alternativas possíveis, como discutir o pacto federativo, rever os programas federais em que o ônus acaba sobrando para o Município, discutir o Fundo Eleitoral que em regra nunca financia candidatos de cidades pequenas (são alguns bilhões que poderiam ser redirecionados para áreas como educação e saúde). O próprio Fundeb pelas atuais regras penaliza especialmente pequenos municípios, pois para que o governo complemente recursos aos estados mais pobres o fundo retém o que seria de direito do repasse do FPM. Generosidade com recursos alheios. Pela regra, a grosso modo funciona assim: municípios pobres em estados ricos perdem, como é o caso dos estados do Sul/Sudeste. Municípios ricos em estados pobres ganham, como é o caso de alguns municípios do Norte/Nordeste. Enfim senador, antes de propor medida tão radical há muito que fazer. Seria até aceitável reduzir de nove para cinco o número de vereadores dessas cidades.
Diria que a ele falta conhecimento adequado sobre a realidade dessas pequenas cidades. Não pode de forma alguma propor tamanha sandice sem considerar as consequências, sem considerar as pessoas que ali habitam, seu patrimônio cultural e social, tantas e tantas histórias de luta e sucesso que foram construídas ao longo dos anos.
Encerro propondo uma pequena reflexão: quanto custa um senador, com todos os seus assessores e os vários benefícios que engrossam seus gordos salários? Em um artigo publicado na Gazeta do Povo em 11/02/2019, Lúcio Vaz aponta que cada senador custa R$ 598 mil por mês aos cofres públicos, chegando a R$ 7 milhões anuais (incluindo ai 13º terceiro e 14º salários dos próprios senadores, assessores, plano de saúde, correios, viagens, diárias, auxílio-moradia, etc).
Quanto custam o prefeito, o vice-prefeito e os nove vereadores de uma pequena cidade? No máximo R$ 150 mil por mês. Isso mesmo.
Antes de medida tão drástica que afetaria milhões de brasileiros, sem ofensa aos senadores e talvez até num gesto de patriotismo, não seria melhor extinguirmos o Senado Federal? Fica a sugestão, caro senador.
Carlos Antonio Reis é prefeito de Anahy - gabinete@anahy.pr.gov.br