Argentina: defeitos e virtudes
J. J. Duran
Não foi o voto contra o presidente Mauricio Madri que produziu o surpreendente resultado brotado das urnas na eleição primária de agosto passado na Argentina. Foi o voto contra a política liberal dos ajustes lineares e contra o fato de o governo do brilhante empresário que virou político ter dado as costas às vozes das ruas da platina Buenos Aires.
Esqueceu o economista e ministro Penha que o populismo instaurado em 1944, pelo então Coronel Perón, não só dá circo, como também comida. Que apesar do custo elevado e preocupante, não deixa de levar ao povo bem-estar.
Esse fracasso reacendeu o peronismo kirchnerista deixado como patrimônio por Nestor e Cristina Kirchner, que longe das condições de austeridade impostas pelos decretos, fizeram um carnaval quotidiano de fingidos bailes de felicidade aos concidadãos argentinos.
Distantes ficaram as promessas do liberal presidente Macri de que muitos e grandes inversores chegariam à Argentina quando da derrota do peronismo.
Macri chegou ao poder derrotando em eleições limpas ao seu oponente do partido peronista. Foi um resultado imposto pelo eleitorado após 60 anos de reinado absoluto do peronismo. Mas quando perdeu o sentido prático, não emocional, esse simbolismo ficou com a culpa de ter acabado com a ilusão de que Perón já não era mais fator preponderante na política.
Nesse desconcerto ficou a sociedade platina, duvidando novamente que a política liberal seja melhor que a dança dos benefícios sociais sem contrapartida. Macri e sua equipe, cujos integrantes são quase todos ex-CEOs das maiores empresas argentinas, fez uma leitura equivocada da realidade política e econômica do país.
A rotineira menção à culpa de Cristina Kirchner pela gravidade da situação que a Argentina atravessa truncou o conteúdo das mensagens. O presidente esqueceu de fazer um comparativo pontual da nova realidade vivida pelo governo, sem a roubalheira populista.
As ruas platinas são as mais politizadas de toda indo-América. Cada esquina e cada mesa de café é cátedra para debater e dar soluções a todos os problemas. Soluções puramente fantasiosas, porém agradáveis ao paladar popular.
Ética, decoroso no manejo dos bens do Estado (ou seja, do povo), pacificação do cenário político e o fim das perseguições aos não macristas foram virtudes visíveis do governo liberal. Mas isso tudo perdeu importância diante dos maiores defeitos: o desemprego, a inflação e a não chegada do futuro prometido no curto prazo.
Em resumo, na Argentina deste veterano jornalista segue vigente a maldição política que diz que"religião, política e economia formam a trilogia desruptiva do quadro normal". Em Buenos Aires, por paradoxal que possa parecer, o normal é a anormalidade.
J. J. Duran é jornalista e membro da Academia Cascavelense de Letras