Governar é bolinho: basta ir fritando
Alceu A. Sperança
"Governar não é bolinho", diz velho burocrata que se acha muito sábio. Mas na verdade é mais fácil que fritar bolinho de chuva, que todo mundo sabe fazer e cada qual tem uma receita secreta. Apresentada pelos marqueteiros a cada dois anos nas campanhas eleitorais, a receita prova que governar é a maior moleza.
Com as redes de mexericos, governar nem precisa mais de um complicado Diário Oficial, que ninguém procura para ler, a não ser interessados em licitações e contratos: basta tuitar e os efeitos viralizam. Bolsa cai, reputações desabam, demite-se sem olhar no olho do infeliz. Governar é bolinho, sim: basta fritar os reais ou supostos culpados por tudo que dá errado - coisa que, teimosamente, sempre dá - e tocar o barco até a reeleição. Uma fritura simples faz o caído em desgraça pedir o boné e sair para cuidar da vida em outro canto.
Governar é também fazer um bolinho, ou seja, juntar num bunker parentes, sócios e amigos no estrangeiro que podem ofender todo mundo à vontade sem ser alcançados pelas leis locais. É a nova "base aliada".
Perder amigos em frituras e entre ofensas é banal para quem se acha no sagrado direito de desancar quem pensa diferente. As ofensas funcionam melhor após um bom pileque e fumar coisas estranhas. O Twitter pergunta, num desafio: "O que está rolando?"Aí o entorpecido, feito de trouxa por robôs que disparam informações distorcidas, meias verdades e mentiras completas, compartilha links e espalha fake news. A imprensa profissional não é mais necessária. Titia, compadre e vovô sabem tudo e dizem de graça no que acreditar e quem mandar para o inferno.
O acordo com o Paraguai sobre a energia de Itaipu deu em desacordo e quase um presidente paraquedista caiu? Na falta de culpados para fritar, basta mudar de assunto, inventando um novo ou requentando um velho. O Peso-Real, moeda única do Mercosul, nem pesa nem realiza? É só alvejar o satélite e o Inpe. O mundo inteiro não falará de outra coisa. Só não diga que os afagos de Trump ao filho querido são uma solerte armadilha para desarmar o tão festejado acordo do Mercosul com a Europa. Os robôs entrarão em cena.
É fácil prometer abrir a economia e na verdade proteger os lobbies de amiguinhos e sócios. Dizer que a tecnologia 5G será fácil de implantar porque todos querem, mas se assustar quando a TV por assinatura reage. É fácil enxergar melhor que satélite, duvidar de cientista, embriagar-se com cerveja redonda e dizer que a Terra é plana. Negar o que passou ou acontece e reinventar a história em novas e confusas narrativas é um direito. Conspiração, não! Tese!
Difícil será decidir o que importa na real e não na "tese". O mundo está um caos e o diálogo virou uma zoeira de monólogos em ruidosa algaravia. Alguém disse primeiro que o Brasil não é para amadores. No Rio de Janeiro existe a lenda urbana de que foi Tom Jobim, mas no Paraná sabemos que foi Belmiro Valverde. Que, aliás, também tinha o sobrenome "Jobim", mas seu tom era a economia. Está no livro "O Brasil não é para Amadores - Estado, Governo e Burocracia na Terra do Jeitinho".
É muito fácil, entre goles fortes e eventuais baforadas surrealistas, cair no logro de ideias "novas"que pareciam atraentes na propaganda governamental. Vide planos Cruzado, Collor, a milagrosa CPMF, a conciliação mênsalo-petrolulista, o Encilhamento que Rui Barbosa comeu com farinha e se lambuzou, agora o tal do "imposto único".
Com tanto palpiteiro soprando ideias geniais e salvadoras em tuítes, hashtags e zaps, logo a crise estará resolvida com as reformas trabalhista, previdenciária, tributária, eleitoral, bancária, sanitária, ensinária, alimária. Na caso da criminalidade, só falta alguém requentar a milagrosa "ideia"do governador paranaense Cardosinho Maluco.
O governador, que veio do RJ e chamava o Paraná de "terra de selvagens", depois de economizar fechando escolas de segundo grau e reescravizando índios, ao ser acossado pela criminalidade galopante abriu vagas na polícia, mas na época (Império) os trabalhadores ganhavam mais na empresa privada que nas tetas públicas. Aí Cardosinho decidiu prender os desocupados e transformá-los em policiais. Não resolveu, como você percebe pelo medo que tem até da própria sombra quando sai ao passeio noturno na periferia.
Mas não turbe vosso coração com #pessimismo. Logo o déficit primário estará zerado, o Sistema S vai virar $, generosos estrangeiros meterão um trilhão nas antigas estatais, outro trilhão virá com a venda de imóveis públicos e muitos trilhões mais com a feliz volta dos gringos investidores na Bolsa. Afinal, o livrinho de autoajuda garante, impune e repetidamente: querer é poder! E nós queremos. Sempre haverá chuva e frigideira, e quem não gostar de simples bolinhos pode tentar fazer brioches.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br