Tráfico de palavra
Renato Sant'Ana
Passadas duas semanas, estão desaparecidos os seis criminosos que foram presos em flagrante, mas liberados pela juíza plantonista. E que, poucas horas depois, tiveram a prisão decretada novamente. Como foi isso?
É a comarca de Porto Alegre, RS. Em 10/07/19, o 11º Batalhão da Polícia Militar, com apoio de outras Unidades (inclusive trabalho da inteligência), prendeu em flagrante seis criminosos e, com eles, apreendeu 4651 kg de Maconha.
Só que, na famigerada audiência de custódia, os bandidos disseram ter sofrido agressões dos policiais. E a juíza plantonista, Lourdes Helena Pacheco da Silva, em base a isso, considerou a atuação da autoridade policial abusiva e classificou de ilegal a prisão. E, alegando que nenhum dos flagrados tinha antecedentes criminais, determinou a soltura.
Aí, como se eles fossem nada mais do que uns guris malcriados, a magistrada fixou-lhes o compromisso de comparecimento mensal em juízo, impedimento de se ausentar da Comarca sem autorização legal, recolhimento noturno todos os dias e comprovação do endereço residencial. É claro que eles nunca mais apareceram!
O Ministério Público (MP) recorreu da sentença de liberação. E, horas mais tarde, a juiza Vanessa Gastal de Magalhães acolheu o pedido do MP. E mandou prender os traficantes. Ela considerou o óbvio: as circunstâncias do caso apontam para uma ligação com a distribuição da droga na capital e, possivelmente, também na Região Metropolitana.
Disse ela: "Não se trata da criminalidade diária do pequeno agente que vende a droga fracionada na boca de fumo, mas do maior traficante que traz a droga para o Estado e, a partir do aporte, distribui para traficantes de menor escala".
Havia dúvida quanto ao envolvimento dos detidos com o crime flagrado? É claro que não! Nesse caso, mesmo que a polícia houvesse batido neles, caberia a soltura? Ora, sem provas e sem o contraditório, as pretensas agressões não justificariam a soltura. É o entendimento de Vanessa Gastal de Magalhães, Para quem, ainda, a prática "de um crime posterior ao flagrante não torna legal e atípica a conduta dos autuados", isto é, eles não se tornariam inocentes só por levar uns tabefes.
O MP acusou a falta de fundamento jurídico, "pois [a plantonista] levou em conta apenas a alegação de agressão durante a prisão".
Por seu turno, o comandante do 11° BPM, tenente-coronel André Ilha Feliú, é categórico: "Acompanhei as ações dos policiais e não houve agressões. Houve, na verdade, pavor dos presos quando a Brigada Militar entrou no depósito [em que estava a droga]. Eles fugiram correndo pelos telhados e pátios, locais altos e obviamente pularam para tentar fugir da prisão", o que teria dado causa às lesões.
Em suma, é inexplicável que a plantonista tenha agido como se a palavra
dos presos fosse dotada de força probatória ou como se tivessem eles "fé pública"e que ela haja, no mesmo ato, desdenhado a palavra da autoridade policial, cuja laboriosa investigação culminou com a prisão de seis bandidos por tráfico de drogas e organização criminosa.
Que bem jurídico terá sido protegido com seu ato? Nenhum! Mas os prejuízos são palpáveis. No mínimo, como advertiu o diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico, delegado Vladimir Urach, a soltura dos suspeitos atrapalha o trabalho da Polícia Civil, que se obriga a fazer o "trabalho dobrado".
E que estarão pensando os policiais militares, os quais, literalmente, todos os dias, arriscam a vida para capturar bandidos?
No dizer da juíza Vanessa Gastal de Magalhães, a decisão da plantonista foi um "forte golpe contra a ordem pública". E este colunista concorda!
Renato Sant'Ana é advogado e psicólogo - sentinela.rs@uol.com.br