Juiz ladrão? Não, mas parcial talvez!
Alceu A. Sperança
Grande parte dos paranaenses de hoje defendem com entusiasmo o ex-juiz Sergio Moro e seus polêmicos procedimentos no curso da histórica Operação Lava Jato. No passado, entretanto, houve momentos em que os juízes eram detestados até ao ponto de sofrer ameaças de"virar picadinho".
Os juízes vinham de fora e castigavam qualquer tentativa dos paranaenses de ter um governo próprio. Em 15 de julho de 1821, ansiosos para emancipar o Paraná e asfixiados pelos paulistas, que cobravam pesados tributos e não deixavam nem o dinheiro circular por aqui, as lideranças locais decidiram em Paranaguá proclamar ao juiz-de-fora, Antônio de Azevedo Melo e Carvalho, a intenção de instalar de imediato um governo independente.
O sargento-mor Francisco Gonçalves da Rocha e o capitão Inácio Lustosa de Andrade foram os coordenadores do movimento, que a história chamaria de"Conjura Separatista". O porta-voz dos rebeldes foi Floriano Bento Viana, primeiro-sargento da 4ª Companhia do Regimento de Milícias. Em ato público para jurar a Constituição lusa, após os"vivas ao Rei e à Religião"Viana apresentou seu requerimento:
?Ilustríssimos Senhores, temos concluído com o nosso juramento de fidelidade, e agora queremos que se nomeie um governo provisório que nos governe em separado da Província (São Paulo); tornam-se os nossos recursos morosos e cheios de desespero e que de tudo dê-se parte a Sua Majestade"(o rei João VI).
O juiz-de-fora se apavorou com a ousadia e respondeu negativamente:"Ainda não é tempo; com vagar se há de representar a Sua Majestade". As lideranças locais emudeceram, temendo por suas cabeças, enquanto em meio ao silêncio geral Floriano Bento Viana retrucava:"O remédio logo se aplica ao mal quando este aparece e portanto não há ocasião melhor, nem mais oportuna". Denunciado como rebelde, sofreu perseguição e amargou um inquérito aberto pelo desembargador José de Azevedo Cabral.
Em 1868 o Paraná já estava independente, mas os juízes continuavam malvistos. Nas vésperas da eleição desse ano, em Rio Negro, o juiz designado, que favorecia descaradamente uma facção política, ao sentir que seu grupo seria derrotado nas urnas decidiu adiar o pleito. Os superiores não permitiram a manobra, mas o juiz tomou uma decisão tão desesperada quanto drástica: nomeou os eleitores adversários em peso como"guardas nacionais em serviço de guerra".
Como o Brasil estava em conflito com o Paraguai, ele mandava para a frente de batalha justamente os membros das famílias adversárias, para que não pudessem votar no dia da eleição. Reagindo à manobra, a população repudiou o juiz e"importou"um magistrado provisório para que a eleição pudesse se realizar. Ainda assim houve arrombamento de urna e se seguiu uma longa batalha até apaziguar os ânimos.
O episódio foi relatado ao parlamento imperial pelo presidente (governador) do Paraná, o português Antonio Augusto da Fonseca (1830-1890), que também narrou outros casos espantosos de juízes que abertamente defendiam seus grupos nas manipuladas eleições da época. Só a elite votava, mas a elite da oposição era perseguida a ferro, fogo, cartório e sentença.
Esse episódio envolveu só a comunidade de Rio Negro e foi resolvido na própria esfera jurídica, mas em 1909 uma decisão da Justiça Federal irritou o Paraná inteiro. Foi quando o Estado perdeu para Santa Catarina sua porção Sudoeste, que o ligava ao Noroeste do Rio Grande do Sul.
Essa região gaúcha e o atual Oeste catarinense foram desbravadas por paranaenses - ou seja, paulistas do futuro Paraná. Os líderes paranistas tentaram desesperadamente evitar a perda de território para Santa Catarina, arrastando uma batalha judicial por vários anos e mobilizando a população para reagir a qualquer decisão contrária.
Assim, quando o Supremo Tribunal Federal rejeitou as ações do Paraná que tentava protelar a vitória judicial barriga-verde, em princípios de 1910 a população curitibana saiu às ruas para dar uma resposta agressiva aos juízes da capital da República, então o Rio de Janeiro. A revolta paranista não se limitou a protestos pacíficos: enveredou na região perdida para atos violentos que motivaram um inquérito por"quebra da tranquilidade pública".
Apontado como o líder da rebelião, o coronel Amazonas Marcondes disse desconhecer quem começou a agitação. Para ele, era o povo abraçando a causa paranista"delirantemente?, tentando evitar a perda de uma parte do Paraná. Declarou que"na qualidade de paranaense e sobretudo filho de Palmas não podia deixar de oferecer o seu contingente de patriota para defesa altiva dos direitos dos habitantes desta zona contestada por Santa Catarina"(Josephat Porto Lona Cleto, O Estado das Missões e sua efêmera existência).
Cleto foi promotor em Cascavel, onde ele e o juiz Epiphânio Figueiredo foram ameaçados de"virar picadinho"se condenassem um jagunço assassino da região do Piquiri. Condenaram. (Ilustração: revista Caretas)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br