O calcanhar de aquiles das operações Publicano e Quadro Negro
José Pedriali
No início de 2015, o auditor da Receita Estadual do Paraná Luiz Antônio de Souza foi flagrado num motel de Londrina em companhia de uma menina de 15 anos e com R$ 20 mil em espécie. Tinha início da Operação Publicano, que desbaratou um esquema de propina naquele órgão.
Souza era um dos fiscais corruptos, crime ao qual se somava a exploração sexual de menores e estupro de vulneráveis. Cerca de 20 casos, aproximadamente.
Para escapar da condenação certa, fez um acordo de delação, na qual o principal acusado é o governador Beto Richa. Segundo Souza, Richa usara os fiscais corruptos para financiar parte de sua campanha de reeleição.
Nada se comprovou até o momento sobre o envolvimento do governador. Mas Souza - o acusador solitário - está, após cumprir alguns meses de prisão e ter parte da fortuna confiscada, em liberdade no litoral do Paraná, vigiado por uma tornozeleira. Foi perdoado inclusive (ou principalmente) dos crimes sexuais!
O ambiente político no Paraná foi sacudido nesta semana pela divulgação do depoimento à Justiça do empresário Eduardo Lopes de Souza, dono da Construtora Valor, que naquele mesmo 2015 foi flagrado desviando dinheiro de escolas que deveria reformar ou construir. Recebera R$ 20 milhões e, graças ao conluio de servidores da Secretaria de Educação, falseara os laudos e embolsara parte dos recursos.
Pego com a boca na botija - é o principal réu da Operação Quadro Negro -, fez o mesmo que o outro Souza, o de Londrina: meteu o governador no rolo, alegando que a maior parte do dinheiro desviado fora aplicado em sua campanha pela reeleição. Ganhou, com isso, liberdade provisória e autorização para mudar de estado, onde é obrigado a usar tornozeleira.
O esquema, segundo ele, fora chefiado por Maurício Fanini, diretor da Secretaria, que se apresentava como interlocutor de Richa. A propina, segundo ele, beneficiou, além de Richa, a então vice e hoje governadora Cida Borghetti, o presidente da Assembleia Valdir Rossoni, o líder do governo naquela Casa e hoje presidente Ademar Traiano, o presidente do Tribunal de Contas Durval Amaral e seu filho Tiago, que disputava - e obteve - uma vaga de deputado. E mais gente: Pepe e Marcello, irmão e filho de Richa, pré-candidatos, respectivamente, à Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa. E mais: o irmão de Cida, Juliano, e o marido dela, o deputado federal Ricardo Barros, subornados para manter uma servidora no gabinete da Vice-Governadoria.
Numa tacada só, portanto, o delator jogou excremento na cúpula dos poderes Executivo e Legislativo do Paraná.
A revelação do depoimento do dono da Valor não trouxe nada novo além do que vazara de sua delação, mas, às vésperas do início da campanha eleitoral, causou forte estampido. Chumbo? Nenhum. Pois o delator não apresentou provas e tampouco indícios da participação dos acusados no crime que cometeu: atribuiu a Fanini (preso em Brasília) as informações relativas a Richa e familiares, a relacionada a Cida e marido ao irmão dela (a servidora que teria sido mantida à custa de propina é concursada, o que compromete severamente a versão do empresário) e a si próprio as que envolvem Rossoni e Traiano. Sobre pai e filho Amaral, idem, com a agravante de humilhá-los - ricos que são -, atribuindo-lhes uma propina de meros R$ 50 mil!
A acusação fica ainda mais frágil diante da confusão sobre o total e o destino dos desvios. Diz o delator que R$ 12 milhões foram para a campanha do governador, R$ 1 milhão para Rossoni & Traiano e demais e apenas - que desprendimento! - R$ 1 milhão à sua empresa. E de onde vieram os recursos para os carrões e imóvel de luxo, confiscados pela Justiça, que adquiriu no período em que executou as obras contratadas do governo: um apartamento em Camboriú avaliado em R$ 5 milhões e nove veículos top de linha, estimados em R$ 6 milhões? A conta não fecha.
As operações Publicano e Quadro Negro tiveram o mérito de desbaratar a máfia da Receita e conter o desvio de dinheiro público destinado a escolas. Bravo! Mas não conseguiram, entre outros percalços, evitar a manipulação política que os principais envolvidos fizeram, com a participação entusiasmada da imprensa, para obter vantagens penais.
José Pedriali é jornalista e escritor