Moro em Harvard: "O Poderoso Chefão" na aula contra a corrupção
Vitor Hugo Soares
O juiz federal Sérgio Moro, condutor da Lava Jato para os sem foro, acertou na mosca ao lembrar a cena antológica de abertura do filme "O Poderoso Chefão", na sua recente fala na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. Não poderia ter encontrado imagens mais fortes e didáticas, sobre a ação das máfias corruptas e corruptoras nos intestinos das grandes corporações empresariais, dos governos e da política - na Itália, nos Estados Unidos, no Brasil. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e o ministro do STF, Luiz Roberto Barroso estavam presentes. O fato se reveste de significado ainda maior, na segunda semana do recolhimento do ex-presidente Lula a cela no prédio da PF, em Curitiba. E três dia s antes do senador Aécio Neves (PSDB), passar de suspeito a réu, na acachapante decisão por 5 a 0 no Supremo.
Para o jornalista, tem significado particular. Reveste-se da memória de momentos afetivos,e profissionais,e culturais, que vão além e são anteriores ao filme de Copolla, com Marlon Brando encabeçando o elenco. Datam do começo dos Anos 70, tempos loucos e ardentes da juventude, na resistência cultural e democrática no País.
Nos EUA, vivia-se o auge da contracultura: de Bob Dylan, de Joan Baez, de Angela Davis. Principalmente na Califórnia - dos Hare Crishnas entoando mantras no aeroporto de Los Angeles, dos hippies livres e soltos, nas ruas alegres de San Francisco. Dos happenings de paz, amor, música, vinho e "otras cositas mas" no campus de Berkeley e bares dos arredores. Olho do furacão que escolhi, com Margarida, para passar a lua de mel. Ela repórter de A Tarde, eu começando a chefiar a redação da sucursal do Jornal do Brasil na Bahia.
A cena referida por Moro foi filmada em um dos lugares mais fabulosos por onde passei nos Anos 70: Lake Tahoe, a cinematográfica localidade turística na divisa da Califórnia com Nevada. Maior lago alpino da América do Norte, formado na Era do Gelo. Na Tahoe de "O Poderoso Chefão", fica a mansão da festa monumental do casamento da filha de Dom Corleone, o "padriño" da máfia. Homens de negócios, políticos, figurões do governo, artistas (a começar pelo lendário Frank Sinatra) se misturam na celebração da família mafiosa nos Estados Unidos.
Numa sala sob sombras - onde a luminosidade de Tahoe penetra por frestas nas venezianas - , Dom Corleone recebe um empresário, Bonassera , que pede a ajuda do chefe mafioso porque sua filha foi espancada, até quase a morte, pelo namorado e um amigo, que tentaram violenta-la. Pede justiça: a morte dos agressores, ou que eles sejam submetidos aos mesmos sofrimentos da filha.
Moro narra: "Depois de algum drama, o poderoso chefão concorda em ajudar, sem matar os homens, como Bonasera queria, mas mandando pessoas baterem neles. Bonasera pergunta no fim da cena o que Don Corleone quer em troca, e recebe uma resposta bem interessante: "Não quero nada agora, mas um dia, talvez um dia, eu vá te pedir algo e então precisarei que você retorne o favor". A metáfora cinematográfica, diz o juiz da Lava Jato, serve para mostrar que "nos esquemas de corrupção sistêmica, não necessariamente você vai encontrar uma troca específica, isso por aquilo".
Mais não digo. Só recomendo uma revisita ao filme, além da leitura, em fonte limpa e veraz, das palavras do juiz. Para mim, além disso, fica a grande saudade de Tahoe.
Vitor Hugo Soares é jornalista