A sombra de Peron
J. J. Duran
O ex-presidente Raul Alfonsin, figura célebre da política democrática, detentor de reconhecida inteligência e de uma austeridade quase espartana, disse-me em conversa informal nos idos de 1970, em Mendoza:"Olha, sempre será difícil para um analista político não argentino opinar certo sobre nosso quadro político".
Devo registrar que a cultura política platina sempre se baseou no culto ao personalismo presidencial. A diferença para a cultura brasileira é que aqui o Parlamento tem a última palavra sobre assuntos institucionais, enquanto lá isso é de responsabilidade do presidente da República.
Em casos isolados, o Parlamento argentino pode contrariar pela via do voto algo de interesse do Executivo, porém as artimanhas jurídicas sempre legalizam a vontade da Casa Rosada.
Desde o tempo em que este escriba começou a dar seus primeiros passos no labirinto político platino, a imprensa alertava a população que o país caminhava rumo ao colapso. A Argentina sempre viveu à sombra de um presidente que separava de forma destruidora os eleitores entre peronistas e antiperonistas.
Assim é desde o matrimônio paternalista Peron-Evita até os dias atuais, quando, ainda que de longe, sigo observando essa divisão primária que transformou os argentinos em uma sociedade politicamente inconclusa.
Nos tempos atuais do presidente Maurício Madri, esperança um tanto frustrada de ruptura do cenário populista, parece voltar a ser realidade a maldição dos peronistas, que costumam dizer em coro que"a sombra de Peron é mais forte que o sol que ilumina o Rio da Prata". Lamentável, mas parece ser o desejo da maioria.
A erupção do nacionalismo encarnada pelo presidente Jair Bolsonaro no continente está longe de ter, na Argentina, um"mito"que se contraponha aos Kirchner.
Aqueles que, como eu, experimentaram os efeitos do autoritarismo sabem quão cruel é se opor ao governo na Argentina. Que o diga Francisco Papa. Peronismo é peronismo.
J. J. Duran é jornalista e membro da Academia Cascavelense de Letras