Um ano depois da delação
Editorial do Estadão
Um ano depois do vazamento de sua delação, Joesley Batista foi denunciado mais uma vez. Num caso que tramita em segredo de justiça, a Procuradoria da República da Primeira Região denunciou Joesley Batista e Francisco de Assis e Silva, ex-diretor jurídico do Grupo J&F, por terem participado de um esquema de compra da atuação do procurador da República Ângelo Goulart Villela. Segundo a acusação, o objetivo do esquema era que o procurador beneficiasse Joesley e a empresa Eldorado Celulose na Operação Greenfield, que investiga fundos de pensão. Em outubro de 2017, os irmãos Joesley e Wesley Batista já haviam sido denunciados à Justiça Federal de São Paulo por uso de informação privilegiada e manipulação do mercado.
É mais que hora de a Justiça esclarecer os fatos envolvendo os acordos de colaboração premiada de Joesley Batista e de outros integrantes do Grupo J&F. Do que se sabe até agora, três pontos chamam a atenção. A Procuradoria-Geral da República (PGR), sob a chefia de Rodrigo Janot, concedeu anistia irrestrita a criminosos confessos, fazendo crer que o crime compensaria. O objetivo do Direito Penal é justamente o oposto: desestimular a prática de ações criminosas.
Em segundo lugar, há fortes elementos indicando que os acordos ultrapassaram os limites da lei. A suspeita, como os próprios delatores dão a entender em algumas gravações, é de que membros do Ministério Público teriam feito jogo duplo, beneficiando indevidamente os delatores durante a elaboração do acordo. As condições acintosamente favoráveis para Joesley Batista e outros integrantes do Grupo J&F reforçam a dúvida sobre a lisura da negociação.
Além dessas irregularidades, a delação de Joesley Batista e o modo como foi revelada produziram graves danos ao País. O primeiro vazamento do acordo de colaboração dizia que uma gravação entregue por Joesley Batista à PGR provava a anuência do presidente Michel Temer a uma suposta compra do silêncio de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Depois, quando o áudio foi revelado, viu-se que a notícia era falsa. Mas o estrago estava feito, produzindo turbulências políticas no exato momento em que o País precisava de estabilidade.
O dano imediato da delação foi o atraso na votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016, a reforma da Previdência. A suspeita de que haveria provas contra o presidente da República causou sérios danos ao esforço do governo federal para organizar a base aliada em torno da reforma da Previdência, meta já politicamente difícil em condições normais.
Esse clima de instabilidade ainda foi agravado pelas duas denúncias contra o presidente Michel Temer, apresentadas pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot, com base no material trazido pelos delatores da JBS. As acusações eram ineptas, e o Congresso não autorizou o seu prosseguimento, mas, entre outros efeitos políticos, impediram o andamento da reforma da Previdência. Coincidentemente essa postergação da reforma da Previdência atendeu ao interesse de algumas corporações públicas, insatisfeitas com a possibilidade de que o seu regime previdenciário fosse despido de alguns de seus privilégios.
Há, portanto, muita coisa a ser esclarecida sobre os acordos de colaboração premiada de Joesley Batista e de outros integrantes do Grupo J&F. Cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) avaliar com diligência o pedido de rescisão desses acordos, feito pela PGR.A Justiça deve ser ágil. Mas essa agilidade se torna especialmente necessária num caso como o da JBS, que envolve tantos crimes e tantas suspeitas. Eventual tolerância com a impunidade geraria sérias consequências sociais, transmitindo a mensagem de que o crime compensa, e institucionais, como se a Justiça fosse incapaz de lidar adequadamente com seus próprios malfeitos e os do Ministério Público. São dúvidas que continuam produzindo danos ao País. Um ano é tempo demais para esclarecer uma delação que, desde o início, foi um escândalo.