Chico das Manhas e os dois Brasis
Alceu A. Sperança
Pobre Heráclito de Éfeso! Se lhe fosse dado conhecer o Brasil de 1500 para cá (morreu em 470 a.C.) talvez jamais escrevesse as palavras poderosíssimas que deram origem a muitas revoluções:"A única coisa que não muda é que tudo muda".
Depois dele, seguidor fiel, Marx diria que a sociedade"é um organismo suscetível de mudança e em permanente processo de transformação". Marx não tinha a desculpa, fácil para Heráclito, de não conhecer o Brasil, pois já em Utopia, do decapitado Thomas Morus, havia tomado conhecimento de um lugar onde tudo estava fadado a ser perfeito: o Brasil, com seu povo maravilhoso.
Mas aí se deu uma das tantas trapaças da História, senhora ardilosa. Na famosa Carta do Achamento, Pero Vaz de Caminha inaugurava as más ações dirigindo palavras de explícito nepotismo ao rei d. Manuel I:"peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro (...). Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500".
Em 1597, o rei Felipe, de Portugal e Espanha, recebe carta assinada por um"brasileiro"denunciando que o governador geral do Brasil, Francisco de Sousa, o"Primeiro Marquês de Minas Gerais?, apelidado Chico das Manhas, usava dinheiro público em seu engenho particular. Coisa velha, como se vê.
Com denúncia e tudo, o mandatário brasileiro resistiu à"CPI"e ao"Fora Sousa". O pai de Sousa, quase esquecia, era amigo intimo do rei. Sousa retornou a Portugal em 1602 levando a tiracolo dois mineiros espanhóis que testemunharam as maravilhas operadas no Brasil sob sua direção. Testemunhadas, retornou ao poder aqui em 1608, com a Terra Brasilis dividida em duas partes - sim, porque eram então dois Brasis.
E as maravilhas continuaram até que alguém não suportou mais e abriu o jogo:"Perde-se o Brasil, Senhor, porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, vêm cá buscar os nossos bens?, escreveu padre Antônio Vieira ao seu rei.
Mas é claro que, com a Independência, tudo vai mudar! Será? Joaquim Nabuco, em Um estadista do Império (1897), narrou:"Desde o princípio o calor, a luz, a vida para as maiores empresas tinham vindo do Tesouro. Em todo tempo, as grandes figuras financeiras, industriais, do país tinham crescido à sombra da influência e proteção que lhes dispensava o governo; esse sistema só podia dar em resultado a corrupção e a gangrena da riqueza pública e particular".
Tão familiar! E segue Nabuco:"Daí a expansão, cada vez maior, do orçamento e da dívida; a aparição ao lado dos ministros, nas bancadas e corredores das Câmaras, nas Secretarias de Estado, nas redações de jornais, de uma nova entidade: os intermediários, impropriamente chamados advogados administrativos, que, pouco a pouco, reduzirão a política a súdita do interesse particular (...)".
Tanto quanto nos tempos de Chico das Manhas ? cujo filho, d. Luís (não Inácio nem da Silva, mas ainda Sousa), herdou dele o governo do Brasil ?, a política nacional segue manhosa e súdita do interesse particular. Nada disso, no entanto, vai mudar com briguinhas palacianas nem na Internet: muda no dia a dia, com trabalho e atitudes. (Imagem: Do livro A Lambança dos Seis Brasis, Projeto Livrai-Nos!)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - valceusperanca@ig.com.br