Pampa gorou, mas a Amazônia já fala em se separar do Brasil
Alceu A. Sperança
Conhecendo mais Chicago que a Amazônia, o superministro Paulo Guedes conseguiu a façanha de evocar por lá (com riscos de anexar o Nordeste) uma campanha de independência semelhante à da frustrada República do Pampa. Nesta, o argumento de que os presidentes nordestinos (Sarney, Collor, Lula) estariam discriminando o Sul gorou quando a mineira Dilma Rousseff, com vivência maior no RS, pedalou no vácuo da recessão.
Interesses separatistas para enfraquecer o Brasil sempre jogam na tentativa de dividir os países da América Latina, pondo uns contra os outros. A principal tentativa era isolar o Brasil da Venezuela, inventando uma coisa estúpida à qual chamam "liderança do Mercosul" ou "liderança da América Latina". Mas a intenção é esperta e vai além: jogar o Brasil contra o Paraguai por causa de Itaipu, contra o Equador porque a Constituição de lá proíbe tolerar estrangeiros dando ordens em seu território, contra a Bolívia por causa do gás. A Bolívia contra a Colômbia, a Argentina contra o Chile e assim por diante. É uma estratégia velha, manjada, mas que ainda convence os incautos desinformados: dividir para reinar.
Interessa a essa lógica troglodita jogar os países latino-americanos uns contra os outros para acabar com a impropriamente chamada Revolução Bolivariana, um nome qualquer dado ao que realmente interessa: a unidade da América Latina para criar uma forte comunidade de nações, fortalecendo assim o hemisfério Sul, hoje praticamente escravo do Norte. O fracasso do bolivarianismo gorou também esse propósito.
Dividindo nossos povos e dissolvendo nossas alianças entre vizinhos, pretendem manter a dominação. Acreditam que em alguns anos conseguirão salvar o capitalismo da ruína em que mergulhou com a terrível crise de 2006, com repeteco em 2008 e com terríveis consequências na atualidade - vide agonias europeias, aumento da pobreza nos EUA e populismos agredindo frontalmente as conquistas democráticas liberais atribuindo-lhes as causas da degringolada econômica.
Obama fez o papel de algodão entre cristais para tentar impedir a revolta popular e a eclosão da II Revolução Americana ou a separação de vários estados, que voltou a ser cogitada na tortuosa gestão Trump.
O projeto de dividir o Brasil em duas ou mais repúblicas ganhou grande impulso com a vergonhosa negociação que deu na composição da Mesa do Senado em 2009: ela ficou toda nordestina, chegando, nos cargos menores, até o Centro-Oeste. O Sudeste e o Sul, que são o carro-chefe da Nação, não foram escalados sequer para tomar conta dos engraxates do palácio. Essa exclusão assanhou os trogloditas. Era sopa no mel para seu projeto: além de jogar as nações latino-americanas umas contra as outras, dividir o Brasil em dois ou mais países seria a glória.
Há "estrategistas" gringos lendo com atenção um livrinho antigo, mas assustador: Porque o Brasil não deu certo - Causas da Inviabilização Econômica da América Portuguesa, de João Paulo de Almeida Magalhães (Editora Paz e Terra, 1996 ). O livro se apresenta como um relatório da "Comissão Mista das Nações Unidas/Banco Mundial de Desenvolvimento".
Na capa consta que é uma publicação de Nova Iorque, datada de abril de 2030. Ou seja, estamos no futuro e tudo o que se fez em meio século para construir uma grande Nação foi por água abaixo. Os graves erros da política neoliberal seguida no País tiveram como resultado final o esfacelamento do Brasil em seis países independentes, mas economicamente quebrados.
Nessa ficção, pois Magalhães, um economista, não se pretende nenhum profeta do tipo catástrofe, ele desdobra a estratégia econômica neoliberal aplicada no Brasil e no que ela dará se novos rumos não forem tomados. Ai de nós, quando nossos netos, em 2030, nos perguntarem que lambança fizemos ao endeusar nulidades políticas e administrativas. Será que algo novo poderá acontecer até lá?
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br