Soa o alarme do dólar
Editorial, Estadão
Há um alarme estridente soando no mercado de câmbio. Ontem de manhã o dólar quase bateu em R$ 3,70, enquanto o risco Brasil subia nos mercados financeiros. Parte da perda foi recuperada mais tarde pelo real, mas é preciso ser muito otimista, nesta altura, para apostar numa trégua no mercado cambial. Antes de mais nada é preciso fazer uma distinção. Dólar caro pode ser uma bênção para exportadores - produtos brasileiros mais baratos e mais competitivos - e um fator de segurança para boa parte da indústria. Mas dólar em disparada é sinal de risco. Pode indicar desvio ou fuga de capitais para aplicações mais atraentes e mais seguras, como papéis do Tesouro americano. Pode indicar, mais que isso, desconfiança em relação aos países de onde o dinheiro é retirado. Nos casos mais graves, pressão cambial pode ser prenúncio de desastre.
A primeira grande vítima da pressão cambial, desta vez, foi a Argenti na, um país com finanças públicas em mau estado, inflação alta, enorme dependência de financiamento estrangeiro e reservas insuficientes para aguentar um choque externo. Com reservas em torno de US$ 380 bilhões, superávit comercial e menor dependência de crédito externo, o Brasil é bem menos vulnerável, por enquanto. Além disso, dirão os mais despreocupados, o dólar tem subido em todo o mundo e nenhum país está livre, neste momento, da instabilidade cambial. O movimento do câmbio, acrescentarão, é explicável pela expectativa de alta mais rápida dos juros americanos. Os dados de consumo, de emprego e de crescimento econômico apontam para inflação mais acelerada e para um aperto monetário mais forte nos Estados Unidos. A alta do dólar é consequência desses fatores e afeta todo o mundo.
Esses fatores são realmente importantes e explicam boa parte da instabilidade do câmbio. Mas é essencial para a segurança do Brasil dar atenção a dois pontos. Primeiro: mesmo num país em boas condições seria preciso levar em conta a mudança do quadro externo. Condições internacionais menos benignas podem significar financiamentos mais caros, menor tolerância ao risco, menor oferta de investimentos diretos, depreciação de commodities e comércio global mais fraco.
Convém, portanto, dar atenção às áreas mais vulneráveis da economia nacional e reforçar os fundamentos para uma travessia segura da turbulência. No caso do Brasil, no entanto, é bom considerar com atenção ainda maior a hipótese menos otimista.
Segundo ponto: além dos dados externos, como os juros americanos, é necessário levar em conta os fatores internos de insegurança. Mais que isso: num cenário internacional menos favorável cresce a importância das fraquezas domésticas. Essas fraquezas são consideráveis. Será preciso um enorme esforço para o governo fechar suas contas, neste ano, sem um déficit primário além do limite, sem romper o teto de gastos e sem violar a proibição de tomar empréstimos para cobrir gastos de custeio.
As dificuldades do governo eleito em outubro deverão ser bem maiores. A reforma da Previdência está paralisada. Poderá voltar à pauta se a intervenção no Rio de Janeiro for suspensa, mas uma aprovação neste ano será um quase milagre. Projetos importantes estão travados ou sujeitos a deformações num Congresso dominado, numericamente, por parlamentares sem compromisso com a sustentabilidade financeira do Estado Nacional.
A desaceleração do crescimento, depois de uma forte recuperação em 2017, é em boa parte explicável pela piora das expectativas de empresários e consumidores. Um cenário eleitoral ainda muito incerto, mas por enquanto dominado por diferentes formas de populismo, dificulta as apostas na reconstrução e na modernização da economia. Pior que isso: dificulta as apostas na capacidade do próximo governo de evitar um desastre fiscal, um retorno à inflação e um novo mergulho na recessão.
A disparada do dólar tem refletido tanto o quadro internacional como as incertezas sobre a recuperação brasileira. O alerta vale para todos, a começar pelos políticos. Quantos darão importância ao alarme?