Os roxos de raiva e os coletes amarelos
Alceu A. Sperança
Será que com os coletes amarelos já está em andamento a II Revolução Francesa? Será que o que vier dela servirá de exemplo para o mundo, como a primeira? Quando, em 1789, os franceses se ergueram contra um rei e sua desfaçatez, derrubando a Bastilha, o fizeram inspirados aqui na América, pela revolução dos EUA (1776) e no levante de Tupac Amaru no Peru (1780), que assim detonaram uma série ininterrupta de revoluções por todo o mundo, inclusive a Conjuração Mineira, no Brasil, que culminou com o enforcamento de Tiradentes, em 1792.
Só no Brasil, inspirado por ideais semelhantes, ergueu-se o povo inúmeras vezes. Revolução da Independência, na Bahia (1798); Revolução Pernambucana (PE, PB e RN), em 1817; a articulação maçônica (que fez o príncipe d. Pedro declarar a independência do Brasil), em 1822; Confederação do Equador (1824); Cabanagem (1835); Revolução Farroupilha (1836); República Juliana (1839); e vai por aí, até a grande greve de 1917, que introduziu a luta de classes no país.
Se na França de hoje, mais uma vez, a fórmula da repressão for tentada e como sempre as coisas continuarem de mal a pior, primeiro com a paz dos cemitérios e depois com a gradual retomada dos protestos, ficará definitivamente provado que bater em pé-rapado não funciona. Se, ao contrário, a França começar a corrigir as graves injustiças da civilização e seu povo começar a ser feliz, de preferência todos os povos, aí poderemos fazer deste Terceiro Milênio alguma coisa que preste, pois qualquer balanço que se faça do segundo vai apresentar um vergonhoso passivo de crueldades e injustiças.
Ao falar na Assembleia Nacional francesa, no distante 2005, o então primeiro-ministro Dominique de Villepin, encurralado, anunciou uma série de medidas que visariam a apoiar as regiões pobres e lutar contra a discriminação, desemprego e falta de oportunidades. "A luta contra todas as formas de discriminação deve ser uma prioridade para a comunidade nacional", disse ele. "A República enfrenta um momento de verdade".
Algumas das propostas: criar uma agência para coesão social e igualdade de oportunidades, além de quinze zonas francas urbanas para incentivar a implantação de empresas nessas áreas e aumentar a oferta de empregos; apoio à contratação de jovens moradores dos subúrbios; e a instalação de cinco mil postos de assistência pedagógica. Foi feito? Pergunte aos coletes amarelos!
É claro que a primeira providência dele, para atender à velha mania de botar polícia para bater em miserável, foi mandar milhares de policiais aos bairros. Resultado? As revoltas aumentaram. Daí a opção pelas medidas sociais, que começam a ser postas em prática mas só podem proporcionar os melhores resultados se contarem com a participação direta das comunidades.
"Cala-boca" em forma de medidas paliativas e muita borrachada no lombo de pobre-diabo pode até sufocar temporariamente a revolta, mas não impedirá que ela mais tarde retorne ainda com maior ímpeto. "A explosão de cólera alimenta-se da má qualidade de vida, da desesperança, da negação de reconhecimento e dignidade", disse na época a ex-ministra francesa dos Esportes, Marie-George Buffet. Neste Brasil hoje tão cheio de raiva a gente já não se sente um pouquinho... europeus?
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br