Justiça social
Antonio Delfim Netto
O problema civilizatório de toda sociedade é construir instituições capazes de articular a "justiça social" (um critério fluido: talvez uma distribuição de renda que confortaria o cidadão mais vulnerável da sociedade) com plena liberdade de iniciativa e a criatividade individual. A distância que nos separa de tal paradigma é abissal.
Percorrê-la não será uma linha reta, mas um caminho tortuoso, com avanços e retrocessos experimentais (tentativas e erros), que só são possíveis num regime democrático sem adjetivos, que assegura a transferência do poder em tempo certo e de forma pacífica.
A história é uma sucessão de "acidentes aleatórios". É o nosso cérebro que, para pacificar-se, constrói narrativas que a organizam em relações de "causa" e "efeito".
Assim, alguns cérebros peregrinos acabaram acreditando que o "futuro" está, necessariamente, escondido no "passado". Este, portanto, se suficientemente torturado, o revelaria.
Trata-se de uma crença extremamente perigosa: como acreditam ser senhores do futuro, conhecem o que e quem podem "descartar" agora porque não farão falta. Assim "sabiam" Robespierre, Hitler, Mussolini, Stalin, Mao e outros menores, mas não menos convictos.
Quando tiveram o poder, todos propuseram um radical recomeço (um renascer, uma "palensigenia") através do qual, depois da necessária punição dos males presentes, a corrupção do passado se transformaria na virtude que traria a "salvação nacional". Todos falharam miseravelmente.
Primeiro terminaram com a liberdade e estimularam a delação. Depois separaram-se numa "casta" que os afastou da "igualdade" que impuseram ao cidadão comum.
Finalmente, estimularam a produção de canhões em lugar de manteiga para os cidadãos que mandaram morrer na guerra...
Toda essa pobre reflexão histórica é para sugerir que Bolsonaro está longe de ser o "efeito" necessário de uma "causa" eficiente: o desastre Dilma-PT e que, na minha opinião, não representa risco constitucional. É, apenas, mais um evento aleatório com o mesmo propósito de Lula-2003 ("viemos para mudar tudo o que está aí!") que terminou mal.
O que o governo precisa introjetar é que velocidade e precipitação são coisas muito diferentes que podem gerar muita confusão e consequências antagônicas.
Precisa insistir e concentrar-se na sua maior prioridade: a reforma da Previdência necessária, mas não suficiente, para despertar o espírito que alimenta e
precede o crescimento econômico.
E, finalmente, precisa abandonar o "cezarismo" das mídias sociais. Este vai produzir mais estragos do que o veto à Ilona Szabó, como já foi o coprológico tuíte!
Antonio Delfim Netto é economista e ex-ministro da Fazenda