No que deu a proposta de erradicar a pobreza?
Alceu A. Sperança
"A pobreza produz algo mais que infelicidade. Pior: ela produz degradação". Foi dessa maneira contundente que o dramaturgo irlandês Bernard Shaw (1856-1950) qualificou o resultado da atual civilização, marcada pela supremacia do neoescravismo: ela dá riqueza a poucos e empobrece muitos. Faz uma microempresa fechar em três anos e um banco duplicar seu lucro em apenas um.
Hoje, vemos instituições como o Banco Mundial revisando conceitos e concluindo que reduzir a pobreza atende a um enorme interesse dos setores dominantes, ou seja, de quem tem alguma coisa pra vender: o combate à exclusão social é uma excelente fonte de riquezas. À medida que o miserável tira o pé da lama e melhora a renda, há mais consumidores comprando mais produtos nos balcões.
O combate radical (tem que ser radical) às desigualdades sociais deve ser encetado nem tanto por serem coisas asquerosas e indecentes, mas porque dá lucro. Sacar que a pobreza atrapalha nossa ganância pode inclusive salvar nossa alma egoísta e interesseira. E já não resta a menor dúvida de que pobres fazem mal à saúde. Pobreza é perda total. Como consome pouco, o pobre não compra quase nada em nossa loja.
Quando os cem mais pobres da sua vizinhança também tiverem dinheiro no bolso, eles comprarão seus produtos e você verá que ficou bem mais fácil pagar a viagem dos piás a Orlando, meu. E pobres dão uma tremenda baixa nos cofres públicos, dinheiro que poderia estar tapando os buracos na rua e melhorando o trânsito. Assim, manter a pobreza e produzir mais pobres, esporte predileto do capitalismo pervertido, aprofundado pela nojeira do neoescravismo, atrapalha nossos negócios.
De resto, em todas as sociedades, os pobres mantidos nessa condição um dia fazem uma revolução e dão um destino inesperado às bolsas e pescoços dos ricos. O que ocorre agora na França não é nenhuma exceção: é a II Revolução Francesa. E há também o fato de que pobre, definitivamente, polui. Se o rico polui de maneira sutil, com publicidade verde, justificativas e desculpas, o pobre simplesmente emporcalha o ambiente em que vive, tanto quanto um vírus danifica a saúde do hospedeiro sem imaginar que está matando o organismo do qual se alimenta.
"A pobreza", diz-nos a professora Marta Dora Grostein, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, "está no centro de grande parte dos problemas ambientais urbanos e sua manifestação nos assentamentos humanos revela o agravamento das condições de vida nas cidades, principalmente nos municípios metropolitanos". Sendo assim, ela propõe a participação dos pobres na definição de políticas para melhorar a cidade.
Tudo bem, tá OK. Mas a melhor contribuição do pobre para uma nação melhor é ele recusar sua condição de miserável e lutar contra ela. Ao cobrar a dívida social, torna-se um cidadão com o mesmo direito de ter Papai Noel entrando pela chaminé com alguns presentes para os filhos que não sejam apenas o calçado ou a roupinha do ano.
Porque é indecente, revela nossa incompetência política, nosso fracasso como civilização e nossa crueldade com os que sofrem, urge erradicar a pobreza através da repartição das riquezas, com muita educação, muita cultura e direitos humanos, pois, valendo a lógica, só desumanos podem ser contra direitos humanos. Valha-nos, pois, Santo Ambrósio, que um dia disse o seguinte, ó crentes e céticos deste planeta injusto: "A terra é dada a todos e não apenas aos ricos". A terra, o lar, o computador, o poder aquisitivo: sem que os bens postos à venda possam ser comprados por todos, não poderemos jamais nos orgulhar de nossa "alma" caridosa e de nosso "espírito" superior.
(Do livro A Maldição Brasileira, Projeto Livrai-Nos!)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br