Para diretora do Ibope, eleitores estão tomados pela desesperança
Marcia Cavallari, diretora executiva do Ibope Inteligência, ficou sensibilizada ao acompanhar os depoimentos de entrevistados em uma pesquisa qualitativa promovida por seu instituto. Reunidos em volta de uma mesa e convidados a falar sobre suas expectativas em relação ao futuro, grupos de eleitores de perfis diversos só manifestaram desesperança e angústia. "Foi uma tristeza", disse ela em entrevista a Daniel Bramatti, do Estadão.
Segundo Marcia, os levantamentos do Ibope mostram um eleitorado "sem perspectiva de melhora". Existe uma abertura para candidatos que representem o "novo", mas, ao mesmo tempo, um temor de uma pessoa sem muita bagagem política possa piorar a situação do País. Leia a seguir os principais pontos da entrevista:
Os pré-candidatos mais conhecidos têm taxas muito altas de rejeição, até maiores que seus porcentuais de intenção de voto. Qual será o impacto disso?
Uma questão que a gente vê nas pesquisas é que os eleitores estão sem perspectiva de melhora. Não conseguem ver como sair desse lugar em que estamos, não conseguem enxergar uma luz no fim do túnel. Os eleitores não conseguem identificar, nesses candidatos todos, qual conseguiria tirar o País da situação em que está. Pode ser que, quando começar a campanha, as coisas fiquem mais claras e possam identificar uma perspectiva. Há uma desconfiança também porque os eleitores estão mais atentos para não se deixar levar por promessas mirabolantes, por ideias que são inexequíveis. Essa questão da desesperança, de não conseguir enxergar uma solução, é um sentimento muito sofrido, muito mesmo. Nós percebemos isso em pesquisas qualitativas. São pessoas de classes mais altas, de classes mais baixas, todo mundo batalhando e as coisas não andam, está tudo amarrado.
O desânimo em relação aos políticos tradicionais leva a uma maior abertura a novidades?
Há uma posição dúbia em relação ao novo. Eles percebem que a situação é muito complexa e que talvez um candidato que represente o totalmente novo possa piorar ainda mais o quadro. Querem mudança? Querem. No jeito de fazer política, no jeito de lidar com o serviço público, com o dinheiro público. Mas não necessariamente esperam um "novo do novo", porque isso também geraria insegurança. Eles esperam uma certa bagagem. Há esse temor de que fique pior.
Até agora é uma eleição sem favoritos, o que atrai muitos candidatos. Por outro lado, partidos menores têm poucos recursos e precisam investir em campanhas de deputados. A lista de presidenciáveis tende a encolher?
Deve ser a primeira eleição desde 1989 sem (o ex-presidente) Lula, que tem um peso específico, que vai além de seu partido. Um ponto importante é que, apesar da baixa preferência partidária dos brasileiros, há cerca de 30% com simpatia pelos partidos de esquerda. Sem o Lula, o que pode acontecer é uma reorganização dos partidos de esquerda, para que não percam essa fatia do eleitorado. Hoje o cenário é de muitos possíveis candidatos, com baixa intenção de voto. Os únicos com taxas significativas são Lula, Bolsonaro e Marina. O voto está muito pulverizado. Acho que deve acabar ocorrendo uma recomposição dos partidos, de maneira que não tenhamos tantos candidatos concorrendo. Será uma campanha curta, que terá emoção até o último momento.
Até que ponto as redes sociais tornam o eleitorado mais volátil, mais sujeito a mudanças bruscas?
As redes têm um papel mais importante, sim, a cada ano a mais usuários. Sabemos que os eleitores citam cada vez mais as redes como fonte de informação. Mas ainda não temos como medir o quanto elas influenciam a decisão de voto.
Como a desinformação afeta o voto?
Em relação às notícias falsas, nossas pesquisas mostram que os eleitores se preocupam muito com isso. Eles acham que o ambiente da internet é mais propício para as pessoas divulgarem e passarem notícias falsas sem checar a fonte. Sabem e declaram que não podem acreditar em tudo o que veem na internet. A credibilidade maior é dos veículos de comunicação tradicionais: jornal, rádio, TV. É onde se sentem mais seguros em relação à informação que recebem. Existe interesse maior pelas notícias políticas. É claro que isso se verifica de maneira mais forte nos grupos urbanos e de maior escolaridade, mas também vemos essa preocupação de buscar mais informação nas classes mais baixas.
Como o eleitor pode saber se uma pesquisa é confiável?
Primeiro, todas as pesquisas que são divulgadas têm de ser registradas no site do TSE. O registro dá transparência ao processo. É possível ver a maneira como a pesquisa está sendo feita, ler o questionário, saber quem é o contratante, verificar o preço que está sendo pago. Há preços lá que são inexequíveis. Impossível fazer uma pesquisa com um custo tão baixo. É claro que metodologia é uma coisa muito técnica, mas só de olhar o eleitor vai ter alguns indícios de como cada instituto está trabalhando. Uma coisa que fica nítida é a diferença de preços entre institutos tradicionais e conhecidos e os outros. Até o dia 8 de abril, havia 88 pesquisas registradas no TSE. Cerca de 40 eram de empresas não associadas à ABEP (Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas). Ou seja, não sei quem são. Além disso, em todos esses casos, o contratante é a própria empresa de pesquisa.
É algo inusual um instituto fazer pesquisa com recursos próprios?
Essa coisa de fazer tudo por conta própria é estranha. Nós já fizemos, mas é raro. Às vezes fazemos porque há algo importante acontecendo e nenhum cliente contrata pesquisa naquele momento. Há casos em que o cliente contratou um calendário e acontece um fato importante no intervalo de duas pesquisas. Aí fazemos uma extra e doamos para o cliente. Mas é estranho fazer várias pesquisas com recursos próprios.
Isso seria um indício de que eles estariam ocultando o contratante, alguém com interesse no resultado da pesquisa?
Há que se deduzir isso. Não se sabe que interesse haveria em um instituto ficar gastando seus recursos com pesquisas. É um indício de algo esquisito. Também se deve prestar atenção nos resultados dos diferentes institutos. As pesquisas mostram uma tendência ao longo do tempo. O fenômeno que está sendo medido por todos é o mesmo, então todos devem mostrar uma tendência semelhante, mesmo que os números não sejam exatamente os mesmos. Se um instituto apresenta resultados muito díspares, é preciso procurar entender a razão.