Os motivos e efeitos das reformas eleitorais
Lucio Rennó e Rayssa Tomaz
O Brasil vivenciou intenso processo de reforma eleitoral nos últimos anos. A lista é longa: financiamento público de campanhas eleitorais; autofinanciamento; limites nos tetos de gastos por cargo; cláusula de desempenho para partidos e candidatos; mudança na fórmula de distribuição das sobras; proibição das coligações (em 2022); criação de janelas partidárias; encurtamento do período de filiação partidária; criação de novos partidos como exceção à vedação da mudança de sigla; redução da duração do tempo de campanha. A pergunta necessária é: quais os motivos e efeitos das reformas?
Políticos atuam inspirados por vários objetivos. Desde que legais, todos legítimos. Fazer boas políticas públicas, apresentar soluções a problemas dos cidadãos, reagir às demandas locais são motivos declarados, explícitos. Mas políticos também são motivados por suas ambições de carreira e sobrevivência política, que quase sempre se expressam veladamente.
Essa motivação é particularmente relevante em temas próximos aos interesses pessoais dos representantes: as regras que afetam a disputa eleitoral são, sem dúvida, o mais transversal de todos esses temas para a classe política. Terreno fértil para as motivações pessoais dos legisladores sobressaírem.
No caso das inúmeras reformas do sistema eleitoral, há algumas motivações claras. Um motivo declarado é a redução do custo das eleições e do financiamento ilegal de campanhas. Assim, o financiamento público gratuito, os tetos de gasto, o encurtamento do período de campanha são justificados pelo combate ao caixa dois e barateamento das campanhas. Outro motivo declarado é o aumento da governabilidade do sistema, por meio do enxugamento do quadro partidário. A cláusula de desempenho e a futura proibição de coligações surtiriam tal efeito.
Contudo, alguns motivos são velados. A reforma eleitoral pode ser vista como uma tentativa de reduzir a renovação no sistema, protegendo os próprios arquitetos institucionais, e de ampliar a independência de políticos em relação aos partidos.
O financiamento público de campanha centralizou recursos nos maiores partidos, aqueles mais afetados também pelos recentes escândalos de corrupção.
O autofinanciamento liberado beneficia os mais ricos. As inúmeras liberalidades na lei da fidelidade partidária - janelas, redução do período de filiação, criação de novos partidos - enfraquecem e ampliam o quadro partidário. A redução do período de campanha desfavorece os novos políticos, os estreantes.
Os efeitos das reformas nas eleições de 2018 indicam uma predominância das motivações veladas. A concentração dos recursos públicos foi muito grande nos maiores partidos: principalmente PT, PSDB e MDB. O número de partidos com representação na Câmara aumentou para 30. Contudo, houve surpresas. O índice de renovação no Senado foi de 84%, o maior da nossa história recente. O índice de reeleição em relação aos que se candidataram na Câmara dos Deputados foi de 60%, frente aos 70% de 2014. Vários dos grandes nomes não voltarão em 2019. A sociedade surpreendeu a classe política. Entretanto a renovação provavelmente seria maior se as regras fossem as de 2014.
De toda sorte, o saldo das mudanças é um quadro político mais incerto, menos previsível e com uma composição surpreendente. Muito provavelmente, a governabilidade pagará o preço sem uma palpável redução da influência do dinheiro no processo eleitoral.
Lucio Rennó é professor universitário e Rayssa Tomaz é jornalista