O governo da plutocracia e seus laranjas
Alceu A. Sperança
Costumamos pensar que o Brasil está caído num "mar de lama" e o restante do mundo vive no bem-bom do crime punido e da prosperidade. Mas a incompetência do governo norte-americano para dar uma pronta resposta ao drama de seus excluídos, como se viu no episódio do furacão Katrina, mostra algo mais além do jardim.
Os espantosos exemplos de gastos fantásticos em guerras e conflitos são coisas corruptas. A vitória do narcotráfico é coisa corrupta. A facilidade para formar de quadrilhas para assaltar o erário é coisa corrupta. Isso acontece agora mesmo em todo o mundo e nem sempre chega ao conhecimento da nossa população mais humilde. Esta, na sua santa ingenuidade, acredita aquele vereador parlapatão e aquele prefeito atrapalhado pela parentela o máximo em matéria de crime contra a humanidade. A raiz de tudo isso é, na verdade, a mãe prolífica das crises e da corrupção: a plutocracia.
A tragédia da Ucrânia permite algumas confrontações com a "lama" brasileira. A querida Ucrânia, que nos deu tantas e tão prezadas famílias, bases para o atual desenvolvimento do Paraná, também não merecia isso. Se no Brasil, digamos, formou-se um governo de "trabalhadores" (esse negócio de "trabalhismo" dar zebra é coisa velha, nem surpreende mais), na Ucrânia se formou um governo de ricos.
No país eslavo, os Daniel Dantas e os Marcos Valério da vida não se limitaram a financiar campanhas eleitorais, mas assumiram eles mesmos o governo e ministérios. No Brasil foi organizada uma estrutura de poder de pobres trapalhões como Delúbio e Silvinho, financiada por esquemas milionários para servir às suas ambições de poder. Já na Ucrânia os ricos dispensaram os títeres e eles mesmos foram mamar direto nas mirradas tetas do erário.
Nos dois casos, as denúncias de corrupção se evidenciaram meras consequências das facilidades com que corruptores e corruptos agem. No Brasil foi pago o tal "mensalão" (na verdade apenas uma variação do conhecido caixa 2 de campanha eleitoral) para garantir o apoio dos políticos à sustentação de uma ruinosa política econômica, fundada na desumana neoescravidão. Na Ucrânia os ricos pagaram a eleição e assumiram diretamente as rédeas do governo, sem precisar de intermediários.
O "Correio" da Ucrânia foi a estrutura alfandegária. Vários funcionários do governo dos ricos apareceram envolvidos em "operações corruptas" apuradas pela polícia. Começava a ruir naquele momento o governo da primeira ministra Yulia Tymoshenko, a "heroína da Revolução Laranja", operação milionária que levou ao poder o presidente Viktor Yuschenko.
A "Revolução Laranja" foi vendida como a redenção definitiva da Ucrânia: agora estava escorraçada do poder a "raça" dos pobres, com sua mania de querer um governo para o conjunto da sociedade, procurando enfrentar arduamente os enormes desafios do mundo moderno.
Acreditava-se que a falastrona e bilionária primeira ministra não roubaria e não deixaria roubar, como se diz por aqui, e deu no que deu. Como uma espécie de Jânio Quadros de saias, Dona Bilionária caiu depois de sete meses de governo em meio ao fragoroso desmonte de um esquema de corrupção engendrado por funcionários de alto coturno do "revolucionário" governo laranja ucraniano.
Essa laranjice acabou, mas antes abriu campo a muito horror. No mais, há um laranjal pelo mundo afora, no qual postes de plutocratas e eles próprios se alternam ou se garantem no poder aumentando a concentração da renda e se beneficiando da miséria e da ignorância. (Do livro A Maldição Brasileira, Projeto Livrai-Nos! - Ilustração: http://4.bp.blogspot.com)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br