Do velho golpismo ao estelionato eleitoral
Alceu A. Sperança
Uma passada de olhos pelos "heróis" da história do Brasil é uma viagem de reconhecimento pela malandragem golpista que acompanha o regime presidencialista como a sombra acompanha o corpo. A tradição brasileira é uma crônica de golpes. Todos eles arrebentaram o País, mas a sanha golpista sempre volta a projetar sua sombra venenosa sobre o Brasil. É coisa velha. Por isso, seria aconselhável contar às novas gerações a verdadeira história do País para mostrar a que inferno o golpismo leva.
O que caracteriza o golpismo é a safadeza com que a coisa é armada. O golpe é anunciado como a "solução" para os problemas e quando é desfechado as coisas sempre, sempre pioram. Só melhora aquilo que o povo faz e o que consegue na pressão.
A proclamação da República, por exemplo, deu-se de um modo que hoje até parece piada: o marechal Deodoro começou a gritar "vivas" ao imperador enquanto os soldados, insuflados por Benjamin Constant, gritavam "Viva a República". Até que Deodoro, em meio à gritaria, teve seu próprio grito sufocado e transformado de monarquista em republicano. O povo, abobalhado, nem imaginava o que estava acontecendo.
Os golpes geralmente são mascarados com argumentos contra a "corrupção", "mar de lama" etc. Mas os golpistas de hoje não conseguem ser tão sinceros quanto Carlos Lacerda. A respeito de Juscelino Kubitschek, ele diria, sem a menor vergonha, que "não podia ser candidato; se candidato, não pode ser eleito; se eleito, não pode tomar posse; se tomar posse, não pode governar; se governar, tem que ser derrubado". É o que muita gente sempre pensou de Lula, embora sem o dizer com a sinceridade de um golpista furioso como Lacerda...
Quantas crises foram geradas por esse tipo de malandragem? Vejamos alguns dados históricos:
1) Deodoro teve que renunciar sob ameaça de bombardeio da capital federal.
2) Prudente de Morais ficou doente e o vice-presidente, ao assumir interinamente, o atraiçoou.
3) Afonso Penna, ao também adoecer, viu uma espada sendo batida em sua mesa, Rui Barbosa perturbando, um filho morrendo e afinal não resistiu: morreu na presidência.
4) Rodrigues Alves, depois de ter sido um "Lula" no primeiro mandato (odiado pelas elites e criticado pelo povaréu) reelegeu-se, mas lhe aconteceu o mesmo que a Tancredo: morreu antes de assumir pela segunda vez.
5) Washington Luiz ("governar é abrir estradas") foi deposto em 1930 e expulso do País.
6) Vargas golpeou seu próprio governo, criando o Estado Novo depois de uma grossa malandragem (o "Plano Cohen"). Caiu levando o troco da infâmia de ter mandado aos carrascos nazistas uma mulher ? Olga Prestes ? que levava uma brasileirinha em seu ventre.
7) Mais tarde Vargas teria um novo troco, agora da direita raivosa. Matou-se para impedir que os golpistas (Lacerda et caterva) assumissem o poder.
8) Jânio tentou dar uma de Getúlio, golpeando seu próprio governo com a renúncia.
9) Jango foi duas vezes deposto, uma por golpe congressual, outra por golpe militar. Dois golpes, duas décadas de opressão.
Collor, como Dilma depois, foi deposto por um golpismo esperto, que não usa a força e segue rigorosamente a lei vigente. Também quiseram tirar a presidência de Lula e entregá-la primeiro a Severino Cavalcanti e depois a um outro neoescravista ? eleito por voto indireto, mais uma vez! O golpe falhou, mas a tradição golpista não se apagou: o GSI já aconselhou o presidente eleito, Jair Bolsonaro, a não andar em carro aberto na posse porque há risco de novo atentado.
Nada de voltar ao passado. Chega de suicídios de Getúlios. Renúncias de Jânios. Estelionatos eleitorais, que são autogolpes. Acidentes misteriosos, doenças repentinas. Que valha o voto, ora bolas! Votou, aguente o eleito. Ou mude constitucionalmente o regime para trocar legalmente o governo toda vez que ele fracassar. (Ilustração: Boletim da Liberdade)
Alceu A. Sperança é escritor alceusperanca@ig.com.br